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Charlie e a Fábrica de Chocolate (1964)
Charlie e a Fábrica de Chocolate (1964)

1 CÁ VEM O CHARLIE

 

Estas duas pessoas muito velhas são o pai e a mãe do Sr. Bucket. Os seus nomes são Avô Joe e Avó Josephine.

E estas duas pessoas muito velhas são o pai e a mãe da Sra. Bucket. Os seus nomes são Avô George e Avó Georgina.

Este é o Sr. Bucket. Esta é a Sra. Bucket.

O Sr. e a Sra. Bucket têm um pequeno rapaz cujo nome é Charlie Bucket.

Este é o Charlie. 

Como estás? E como estás? E como estás outra vez? Ele tem prazer em conhecer-te.

Esta família inteira - os seis adultos (conta-os) e o pequeno Charlie Bucket - vivem juntos numa casinha de madeira na beira de uma grande cidade.

A casa não era grande o suficiente para tantas pessoas, e a vida era extremamente desconfortável para eles todos. Havia apenas dois quartos ao todo na casa, e só havia uma cama. A cama era dada aos quatro avós velhos porque estavam tão velhos e cansados. Estavam tão cansados que nunca dela saíam.

O Avô Joe e a Avó Josephine deste lado, o Avô George e a Avó Georgina do outro.

O Sr. e a Sra. Bucket e o pequeno Charlie Bucket dormiam no outro quarto, em cima de colchões no chão.

No verão, não era muito mau, mas no inverno, correntes de ar geladas sopravam pelo chão a noite toda, e era horrível.

Estava fora de questão comprarem uma casa melhor - ou até mais uma cama para dormirem. Eram demasiado pobres para isso.

O Sr. Bucket era a única pessoa da família com um emprego. Trabalhava numa fábrica de pasta de dentes, onde se sentava o dia todo num banco e atarraxava as tampinhas nos topos dos tubos de pasta depois de os tubos terem sido cheios. Mas um atarraxador de tampas de pasta de dentes nunca é pago muito dinheiro, e o pobre Sr. Bucket, por mais que trabalhasse, e por mais depressa que atarraxasse as tampas, nunca conseguia ganhar o suficiente para comprar metade das coisas que uma família tão grande precisava. Nem sequer havia dinheiro suficiente para comprar comida decente para todos eles. As únicas refeições que podiam pagar eram pão e margarina para o pequeno-almoço, batatas cozidas e couve para o almoço, e sopa de couve para o jantar. Os domingos eram um pouco melhores. Todos ansiavam os domingos porque, embora tivessem exatamente o mesmo, toda a gente tinha autorização para uma segunda dose.

Os Buckets, claro, não passavam fome, mas cada um deles - os dois velhos avôs, as duas velhas avós, o pai de Charlie, a mãe de Charlie, e especialmente o próprio pequeno Charlie - andava de manhã à noite com uma horrível sensação de vazio na barriga.

Charlie sentia mais que todos. E embora o pai e a mãe muitas vezes passassem sem a sua porção de almoço ou jantar para lha poderem dar, ainda assim não chegava para um rapaz em crescimento. Ele queria desesperadamente algo mais substancial e satisfatório do que couve e sopa de couve. A única coisa que desejava mais do que qualquer outra era... CHOCOLATE.

Ao ir para a escola a pé de manhã, Charlie podia ver grandes tabletes de chocolate empilhadas alto nas montras das lojas, e parava e olhava e encostava o nariz ao vidro, com água na boca. Muitas vezes por dia, via outras crianças tirar barras de chocolate cremoso dos bolsos e trincá-las vorazmente, e isso, claro, era pura tortura.

Só uma vez por ano, no seu aniversário, Charlie Bucket podia saborear um pouco de chocolate. A família inteira poupava dinheiro para essa ocasião especial, e quando chegava o grande dia, era sempre oferecida a Charlie uma pequena barra de chocolate para comer sozinho. E cada vez que a recebia, naquelas maravilhosas manhãs de aniversário, colocava-a cuidadosamente dentro de uma caixinha de madeira que tinha, e estimava-a como se fosse uma barra de ouro sólido; e durante os dias seguintes, só se permitia olhar para ela, mas nunca tocar-lhe. Depois, por fim, quando não conseguia aguentar mais, descascava um pedaço pequenino do embrulho de papel num canto para expor um pedaço pequenino de chocolate, e depois dava uma trinca pequenina - apenas o suficiente para permitir que o agradável sabor doce se espalhasse lentamente sobre a língua. No dia seguinte, dava outra trinca pequenina, e assim por diante, e assim por diante. E desta forma, Charlie fazia a sua barra de chocolate de aniversário de 6 pennies durar-lhe mais do que um mês.

Mas ainda não vos falei da coisa horrível que torturava o pequeno Charlie, o amante de chocolate, mais do que qualquer outra coisa. Esta coisa, para ele, era muito, muito pior do que ver tabletes de chocolate nas montras das lojas, ou ver outras crianças trincarem barras de chocolate cremoso mesmo à sua frente. Era a coisa torturante mais terrível que se podia imaginar, e era isto:

Na cidade em si, ao alcance da vista da casa em que Charlie vivia, havia uma ENORME FÁBRICA DE CHOCOLATE!

Imaginem!

E também não era simplesmente uma enorme fábrica de chocolate vulgar. Era a maior e mais famosa do mundo inteiro! Era a FÁBRICA WONKA, de um homem chamado Sr. Willy Wonka, o maior inventor e produtor de chocolates que já houve. E que lugar tremendo e maravilhoso era! Tinha enormes portões de ferro que conduziam ao interior, e um muro alto a rodeá-la, e fumo a jorrar das chaminés, e estranhos zumbidos que vinham das suas profundezas. E do lado de fora das paredes, por meia milha à volta em todas as direções, o ar estava perfumado com o cheiro rico e intenso de chocolate a derreter!   

Duas vezes por dia, ao ir e vir da escola, o pequeno Charlie Bucket tinha de passar pelos portões da fábrica. E sempre que passava, começava a andar muito, muito devagar, e levantava o nariz no ar e aspirava o magnífico cheiro a chocolate a toda a sua volta. 

Oh, como ele adorava aquele cheiro!

E oh, como desejava poder entrar na fábrica e ver como era!

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2. A FÁBRICA DO SR. WILLY WONKA

 

À noitinha, depois de ter terminado o jantar de sopa de couve aguada, Charlie entrava sempre no quarto dos quatro avós para ouvir as suas histórias, e depois para dizer boa noite.

Cada uma destas pessoas velhas tinha mais de noventa anos. Eram enrugados como ameixas secas, e ossudos como esqueletos, e ao longo do dia, até Charlie aparecer, ficavam deitados ao monte na sua única cama, dois em cada ponta, com barretes de dormir postos para manter a cabeça quente, passando o tempo a dormitar sem nada para fazer. Mas assim que ouviam a porta a abrir-se, e ouviam a voz de Charlie dizer: "Boa noite, Avô Joe e Avó Josephine, e Avô George e Avó Georgina", endireitavam-se os quatro de repente, e as suas velhas caras enrugadas iluminavam-se com sorrisos de prazer - e começava a conversa. Pois amavam este menino. Ele era a única coisa brilhante nas suas vidas, e as suas visitas à noitinha eram algo que ansiavam o dia todo. Muitas vezes, a mãe e o pai de Charlie também entravam, e ficavam de pé junto à porta, a ouvir as histórias que os velhotes contavam; e assim, durante talvez meia hora todas as noites, este quarto tornava-se um lugar feliz, e a família inteira esquecia que tinha fome e era pobre.

Uma noite, quando Charlie entrou para ver os avós, disse-lhes: - É mesmo verdade que a Fábrica de Chocolate Wonka é a maior do mundo?

'Verdade?', gritaram os quatro ao mesmo tempo. 'Claro que é verdade! Meu Deus, não sabias isso? É cerca de cinquenta vezes maior do que qualquer outra!'

'E o Sr. Willy Wonka é mesmo o produtor de chocolate mais esperto do mundo?'

'Meu querido rapaz', disse o Avô Joe, levantando-se um pouco mais alto na almofada, 'o Sr. Willy Wonka é o mais espantoso, o mais fantástico, o mais extraordinário produtor de chocolate que o mundo já viu! Pensei que toda a gente sabia isso!'

'Eu sabia que ele era famoso, Avô Joe, e sabia que era muito esperto...'

'Esperto!', exclamou o velhote. 'É mais do que isso! É um mágico com o chocolate! Consegue fazer qualquer coisa - qualquer coisa que queira! Não é um facto, meus queridos?'

Os outros três velhotes acenaram com a cabeça para cima e para baixo devagar, e disseram, 'Absolutamente verdade. Tão verdade quanto pode ser'.

E o Avô Joe disse, 'Queres dizer que nunca te falei do Sr. Willy Wonka e da sua fábrica?'

'Nunca', respondeu o pequeno Charlie.

'Santo Deus! Não sei qual é o meu problema!'

'Contas-me agora, Avô Joe, por favor?'

'Com certeza. Senta-te ao meu lado na cama, meu querido, e ouve com atenção'.

O Avô Joe era o mais velho dos quatro avós. Tinha noventa e seis anos e meio, e isso é praticamente o mais velho que alguém pode ser. Como todas as pessoas extremamente velhas, era delicado e fraco, e ao longo do dia falava muito pouco. Mas à noitinha, quando Charlie, o seu adorado neto, estava no quarto, parecia, de algum modo maravilhoso, voltar a ficar bastante novo. Todo o seu cansaço se desvanecia, e ele tornava-se tão animado e cheio de entusiasmo como um jovem.

'Oh, que homem ele é, este Sr. Willy Wonka!', exclamou o Avô Joe. 'Sabias, por exemplo, que ele próprio inventou mais de duzentos novos tipos de barras de chocolate, cada uma com um centro diferente, cada uma mais doce e mais cremosa e mais deliciosa do que qualquer coisa que as outras fábricas de chocolate podem fazer!'

'Completamente verdade!', exclamou a Avó Josephine. 'E envia-as para todos os quatro cantos da terra! Não é assim, Avô Joe?'

'É, minha querida, é. E para todos os reis e presidentes do mundo também. Mas não é só barras de chocolate que ele faz. Oh, valha-me Deus, não! Ele tem algumas invenções mesmo fantásticas na manga, o Sr. Willy Wonka! Sabias que inventou uma forma de fazer gelado de chocolate que fica frio durante horas e horas sem estar no congelador? Até o podes deixar ao sol a manhã toda num dia quente e não fica mole!

'Mas isso é impossível!', disse o pequeno Charlie, olhando fixamente para o avô.

'Claro que é impossível!', exclamou o Avô Joe. 'É completamente absurdo! Mas o Sr. Willy Wonka conseguiu!'

'Absolutamente certo!', concordaram os outros, acenando com a cabeça. 'O Sr. Wonka conseguiu'.

'E por outro lado', o Avô Joe continuou agora a falar muito devagar para Charlie não perder uma palavra, 'o Sr. Willy Wonka pode fazer marshmallows que sabem a violetas, e ricos caramelos que mudam de cor de dez em dez segundos enquanto os chupas, e docinhos macios que derretem delirantemente no momento em que os pões entre os lábios. Consegue fazer pastilha elástica que nunca perde o sabor, e balões de açúcar que podes soprar para tamanhos enormes antes de os rebentares com um alfinete e os engolires. E, de um modo secretíssimo, consegue fazer belos ovos de pássaro azuis com manchas pretas, e quando pões um deles na boca, fica cada vez mais pequeno até de repente não restar nada exceto um passarinho bebé de açúcar cor-de-rosa sentado na ponta da língua.'

O Avô Joe fez uma pausa e passou a ponta da língua lentamente sobre os lábios. 'Só de pensar nisso fico com água na boca', disse.

'Eu também', disse o pequeno Charlie. 'Mas, por favor, continua'.

Enquanto falavam, o Sr. e a Sra. Bucket, a mãe e o pai de Charlie, tinham entrado silenciosamente no quarto, e agora estavam ambos do lado de dentro da porta, a ouvir.

'Conta ao Charlie daquele príncipe indiano doido', disse a Avó Josephine. 'Ele ia gostar de ouvir'.

'Referes-te ao Príncipe Pondicherry?', disse o Avô Joe, e começou a rir.

'Completamente maluco!', disse o Avô George.

'Mas muito rico', disse a Avó Georgina.

'O que é que ele fez?', perguntou Charlie, ansioso.

'Ouve', disse o Avô Joe, 'e eu vou contar-te'.

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3. O SR. WONKA E O PRÍNCIPE INDIANO

 

'O Príncipe Pondicherry escreveu uma carta ao Sr. Willy Wonka', disse o Avô Joe, 'e pediu-lhe para ir até à Índia e construir-lhe um palácio colossal inteiramente de chocolate'.

'O Sr. Wonka fez isso, Avô?'

'Fez, sim. E que palácio era! Tinha cem quartos, e tudo era feito de chocolate negro ou de leite! Os tijolos eram de chocolate, e o cimento que os unia era de chocolate, e as janelas eram de chocolate, e todas as paredes e tetos eram feitos de chocolate, assim como as carpetes e os quadros e a mobília e as camas; e quando se ligavam as torneiras na casa de banho, jorrava chocolate quente.

'Quando estava terminado, o Sr. Wonka disse ao Príncipe Pondicherry, "Aviso-o, no entanto, de que não durará muito, por isso é melhor começar a comê-lo de imediato".

'"Disparate!", gritou o Príncipe. "Não vou comer o meu palácio! Nem sequer mordiscar a escada ou lamber as paredes! Vou viver nele!"

'Mas o Sr. Wonka tinha razão, claro, porque pouco depois disto, veio um dia muito quente com um sol a escaldar, e o palácio inteiro começou a derreter, e depois afundou lentamente para o chão, e o príncipe doido, que na altura estava a dormitar na sala de estar, acordou para dar por si a nadar num enorme lago castanho de chocolate pegajoso'.

O pequeno Charlie ficou sentado muito quieto na beira da cama, a olhar para o avô. A cara de Charlie estava brilhante, e os olhos estavam tão arregalados que se via o branco a toda a volta. 'Isto é tudo mesmo verdade?', perguntou. 'Ou estás a entrar comigo?'

'É verdade!', gritaram os quatro velhotes todos ao mesmo tempo. 'Claro que é verdade! Pergunta a quem quiseres!'

'E vou contar-te outra coisa que é verdade', disse o Avô Joe, e agora inclinou-se para mais perto de Charlie, e baixou a voz para um sussurro baixo e secreto. 'Nunca... ninguém... sai!'

'Sai de onde?', perguntou Charlie.

'E... nunca... ninguém... entra!'

'Entra onde?', exclamou Charlie.

'Na fábrica do Wonka, claro!'

'Avô, o que queres dizer?'

'Refiro-me a operários, Charlie'.

'Operários?'

'Todas as fábricas', disse o Avô Joe, 'têm operários a entrar e a sair dos portões de manhã e à noite - exceto a do Wonka! Tu alguma vez viste uma única pessoa entrar naquele sítio - ou sair?'

O pequeno Charlie olhou lentamente em volta para cada uma das quatro caras velhas, uma após a outra, e todas olharam de volta para ele. Eram caras amigáveis e sorridentes, mas também estavam bastante sérias. Não havia sinal de brincadeira ou gracejos em nenhuma delas.

'Então? Viste?', perguntou o Avô Joe.

'Eu... eu não sei, Avô', gaguejou Charlie. 'Sempre que passo pela fábrica, os portões parecem estar fechados'.

'Exato!', disse o Avô Joe.

'Mas tem de haver pessoas a trabalhar lá...'

'Pessoas não, Charlie. Não pessoas normais, de qualquer maneira'.

'Então quem?', exclamou Charlie.

'Ah-ha... É isso, sabes... É outra das espertezas do Sr. Willy Wonka'.

'Charlie, querido', chamou a Sra. Bucket de onde estava junto à porta, 'é hora da cama. Chega por hoje'.

'Mas, Mãe, tenho de ouvir...'

'Amanhã, meu querido...'

'Isso mesmo', disse o Avô Joe, 'conto-te o resto amanhã à noite'.

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4. OS OPERÁRIOS SECRETOS

 

Na noite seguinte, o Avô Joe continuou com a sua história.

'Sabes, Charlie', disse ele, 'há não muito tempo, havia milhares de pessoas a trabalhar na fábrica do Sr. Willy Wonka. Depois, um dia, de repente, o Sr. Wonka teve de pedir a cada um deles para se ir embora, para ir para casa, para nunca voltar.

'Mas porquê?', perguntou Charlie.

'Por causa de espiões'.

'Espiões?'

'Sim. Todos os outros produtores de chocolate, sabes, tinham começado a ter inveja dos maravilhosos doces que o Sr. Wonka fazia, e começaram a enviar espiões para roubar as suas receitas secretas. Os espiões aceitavam trabalhos na fábrica Wonka, fingindo que eram operários normais, e enquanto lá estavam, cada um deles descobriu exatamente como uma certa coisa especial era feita'.

'E voltaram para as suas próprias fábricas e contaram?', perguntou Charlie.

'Devem ter contado', respondeu o Avô Joe, 'porque pouco depois disso, a fábrica do Fickelgruber começou a fazer um gelado que nunca derretia, mesmo no sol mais quente. Depois a fábrica do Sr. Prodnose inventou uma pastilha elástica que nunca perdia o sabor por muito que a mascasses. E depois a fábrica do Sr. Slugworth começou a fazer balões de açúcar que podias soprar para tamanhos enormes antes de os rebentares com um alfinete e os devorares. E por aí em diante, e por aí em diante. E o Sr. Willy Wonka arrancou a barba e gritou, "Isto é terrível! Ficarei falido! Há espiões em todo o lado! Terei de fechar a fábrica!"'

'Mas ele não fez isso!', disse Charlie.

'Ah, fez sim. Disse a todos os operários que lamentava, mas que teriam de ir para casa. Depois, fechou os portões principais e trancou-os com uma corrente. E de repente, a fábrica gigante do Wonka tornou-se silenciosa e deserta. As chaminés pararam de fumegar, as máquinas pararam de zumbir, e a partir daí, nenhum chocolate ou doce foi feito. Ninguém entrava ou saía, e até o próprio Sr. Willy Wonka desapareceu completamente.

'Passaram-se meses e meses', continuou o Avô Joe, 'mas ainda assim a fábrica permaneceu fechada. E toda a gente disse, 'Pobre Sr. Wonka. Era tão simpático. E fazia coisas tão maravilhosas. Mas agora acabou. Acabou tudo".

'Então aconteceu algo surpreendente. Um dia, de manhã cedo, finas colunas de fumo branco foram vistas a sair dos topos das chaminés altas da fábrica! As pessoas na cidade pararam e ficaram a olhar. "Que se passa?", exclamaram. "Alguém acendeu as fornalhas! O Sr. Wonka deve estar a abrir de novo!" Correram para os portões, esperando vê-los abertos e o Sr. Wonka lá para receber os operários de volta.

'Mas não! Os grandes portões de ferro continuavam trancados e acorrentados tão firmemente como sempre, e o Sr.  Wonka não se via em lado nenhum.

'"Mas a fábrica está a funcionar!", gritaram as pessoas. "Ouçam! Consegue-se ouvir as máquinas! Estão todas a zumbir outra vez! E sente-se no ar o cheiro de chocolate a derreter!"'

O Avô Joe inclinou-se para a frente e pousou um longo dedo ossudo no joelho de Charlie, e disse baixinho, 'Mas o mais misterioso de tudo, Charlie, eram as sombras nas janelas da fábrica. As pessoas na rua lá fora conseguiam ver pequenas sombras escuras a mover-se atrás das janelas de vidro fosco. 

'Sombras de quem?', disse Charlie rapidamente.

'É exatamente o que todas as outras pessoas queriam saber.

'"O sítio está cheio de operários!", gritaram as pessoas. "Mas ninguém entrou! Os portões estão trancados! É de loucos! Também nunca sai ninguém!"

'Mas não havia dúvida nenhuma', disse o Avô Joe, 'que a fábrica estava em funcionamento. E continuou a funcionar desde então, durante estes últimos dez anos. E mais, os chocolates e doces que tem produzido tornaram-se mais fantásticos e deliciosos o tempo todo. E claro que agora quando o Sr. Wonka inventa um doce novo e maravilhoso, nem o Sr. Fickelgruber nem o Sr. Prodnose nem o Sr. Slugworth nem qualquer outra pessoa consegue copiá-lo. Nenhuns espiões podem entrar na fábrica para descobrir como se faz'.

'Mas Avô, quem', exclamou Charlie, 'quem está o Sr. Wonka a usar para fazer o trabalho todo na fábrica?'

'Ninguém sabe, Charlie'.

'Mas isso é absurdo! Alguém perguntou ao Sr. Wonka?'

'Já ninguém o vê. Ele nunca sai. As únicas coisas que saem daquele sítio são chocolates e doces. Saem por um alçapão especial na parede, todos embalados e endereçados, e camiões dos Correios vão buscá-los todos os dias'.

'Mas Avô, que tipo de pessoas são as que trabalham lá?'

'Meu querido rapaz', disse o Avô Joe, 'esse é um dos grandes mistérios do mundo do fabrico de chocolate. Sabemos apenas uma coisa sobre elas. São muito pequenas. As sombras fracas que às vezes aparecem atrás das janelas, especialmente a altas horas da noite quando as luzes estão ligadas, são de pessoas pequeninas, pessoas não mais altas do que o meu joelho...'

'Não há pessoas assim', disse Charlie.

Nesse preciso momento, o Sr. Bucket, o pai de Charlie, entrou no quarto. Tinha chegado da fábrica de pasta de dentes, e abanava um jornal vespertino com bastante entusiasmo. 'Ouviram as notícias?', exclamou. Levantou o jornal para poderem ver o enorme cabeçalho. O cabeçalho dizia:

FÁBRICA WONKA VAI FINALMENTE SER ABERTA PARA POUCOS SORTUDOS

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5. OS BILHETES DOURADOS

 

'Queres dizer que as pessoas vão mesmo ser autorizadas a entrar na fábrica?', exclamou o Avõ Joe. 'Lê-nos o que diz - depressa!'

'Está bem', disse o Sr. Bucket, alisando o jornal. 'Ouçam'.

BOLETIM DA TARDE

O Sr. Willy Wonka, o génio da doçaria que ninguém viu nos últimos dez anos, enviou hoje o aviso seguinte:

Eu, Willy Wonka, decidi permitir que cinco crianças - apenas cinco, e não mais - visitem a minha fábrica este ano. Estes cinco sortudos receberão uma visita guiada pessoal minha, e estarão autorizados a ver todos os segredos e a magia da minha fábrica. Depois, no fim da visita, como um presente especial, serão dados chocolates e doces suficientes a todos eles para lhes durarem para o resto da vida!  Por isso prestem atenção aos Bilhetes Dourados! Cinco Bilhetes Dourados foram impressos em papel dourado, e estes cinco Bilhetes Dourados foram escondidos debaixo do papel de embrulho normal de cinco barras normais de chocolate. Estas cinco barras de chocolate podem estar em qualquer lado - em qualquer loja em qualquer rua em qualquer cidade em qualquer país do mundo - sobre qualquer balcão em que se vendam Doces Wonka. E os cinco sortudos que encontrarem estes cinco Bilhetes Dourados são os únicos que terão autorização para visitar a minha fábrica e ver como é agora por dentro! Boa sorte a todos, e feliz caça! (Assinado: Willy Wonka)

'O homem é maluco!', murmurou a Avó Josephine.

'É brilhante!', exclamou o Avô Joe. 'É um mágico! Imaginem o que vai acontecer agora! O mundo inteiro vai estar à procura daqueles Bilhetes Dourados! Toda a gente vai comprar barras de chocolate Wonka na eperança de encontrar uma! Ele vai vender mais do que nunca! Oh, como seria emocionante encontrar um!'

'E todos os chocolates e doces que conseguisses comer para o resto da vida - de graça!', disse o Avô George. 'Imaginem!'

'Teriam de entregá-los num camião!', disse a Avó Georgina.

'Deixa-me enjoada pensar nisso', disse a Avó Josephine.

'Disparate!', exclamou o Avô Joe. 'Não seria qualquer coisa, Charlie, abrir uma barra de chocolate e ver um Bilhete Dourado a brilhar lá dentro!'

'Certamente seria, Avô. Mas não há esperança', disse Charlie tristemente. 'Só recebo uma barra por ano'.

'Nunca se sabe, querido', disse a Avô Georgina. 'Fazes anos para a semana. Tens tantas hipóteses como qualquer outro.'

'Receio que isso simplesmente não seja verdade', disse o Avô George. 'Os miúdos que vão encontrar os Bilhetes Dourados são aqueles que podem comprar barras de chocolate todos os dias. O nosso Charlie só recebe uma por ano. Não há esperança'.

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6. OS PRIMEIROS DOIS A ENCONTRAR

 

No dia seguinte, foi encontrado o primeiro Bilhete Dourado. Quem o encontrou foi um rapaz chamado Augustus Gloop, e o jornal vespertino do Sr. Bucket trazia uma grande foto dele na primeira página. A foto mostrava um rapaz de nove anos que era tão enormemente gordo que parecia ter sido enchido com uma poderosa bomba. Grandes dobras flácidas de gordura avolumavam-se de cada parte do seu corpo, e a cara era como uma monstruosa bola de massa com dois olhinhos gulosos a espreitarem para o mundo. A cidade em que Augustus Gloop vivia, dizia o jornal, tinha ficado louca de entusiasmo a propósito do seu herói. Bandeiras voavam de todas as janelas, fora dado às crianças um feriado da escola, e estava a ser organizada uma parada em honra do famoso jovem.

'Eu sabia que o Augustus encontraria um Bilhete Dourado', dissera a mãe aos jornalistas. 'Come tantas barras de chocolate por dia que era quase impossível não encontrar um. Comer é o passatempo dele, sabem. Só se interessa por isso. Mas ainda assim, é melhor do que ser um vândalo e disparar pistolas e coisas assim no tempo livre, não é? E o que eu digo sempre é, ele não continuaria a comer como come se não precisasse de alimento, não é? É tudo vitaminas, de qualquer maneira. Que emocionante será para ele visitar a maravilhosa fábrica do Sr. Wonka! Estamos orgulhosos como tudo!'

'Que mulher revoltante', disse a Avó Josephine.

'E que rapaz repulsivo', disse a Avó Georgina.

'Só restam quatro Bilhetes Dourados', disse o Avô George. 'Quem será que vai conseguir esses?'

E agora o país inteiro, na realidade, o mundo inteiro, parecia de súbito estar envolvido numa louca onda de compra de chocolate, toda a gente freneticamente à procura daqueles preciosos bilhetes que restavam. Mulheres adultas eram vistas a entrar em lojas de doces e a comprar dez barras Wonka de uma vez, depois a arrancar os invólucros no local e a espreitar ansiosamente por baixo em busca de um lampejo de papel dourado. As crianças pegavam em martelos e partiam os mealheiros e corriam para as lojas com mãos-cheias de dinheiro. Numa cidade, um famoso gangster roubou milhares de libras a um banco e gastou tudo em barras Wonka nessa mesma tarde. E quando a polícia entrou em casa dele para o prender, encontraram-no sentado no chão entre montes de chocolate, a arrancar os invólucros com a lâmina de um punhal comprido. Na Rússia longínquia, uma mulher chamada Charlotte Russe afirmou ter encontrado o segundo bilhete, mas afinal era uma inteligente imitação. O famoso cientista inglês, o Professor Foulbody, inventou uma máquina que dizia de imediato, sem abrir o invólucro de uma barra de chocolate, se havia ou não um Bilhete Dourado escondido por baixo. A máquina tinha um braço mecânico que era disparado com uma força tremenda e agarrava qualquer coisa que tivesse o menor pedaço de ouro no interior, e durante um momento, parecia a resposta para tudo. Mas infelizmente, enquanto o Professor exibia a máquina ao público no balcão dos doces de uma loja grande, o braço mecânico saiu disparado e agarrou a obturação de ouro no dente de trás de uma duquesa que estava por perto. Houve uma cena feia, e a máquina foi destruída pela multidão.

De repente, na véspera do aniversário de Charlie Bucket, os jornais anunciaram que o segundo Bilhete Dourado fora encontrado. A felizarda era uma menina chamada Veruca Salt que vivia com os pais ricos numa grande cidade distante. Mais uma vez, o jornal vespertino do Sr. Bucket trazia uma grande foto da descobridora. Estava sentada entre o pai e a mãe radiantes na sala de estar de casa, a abanar o Bilhete Dourado por cima da cabeça, e a sorrir de orelha a orelha.

O pai de Veruca, o Sr. Salt, explicara ansiosamente aos jornalistas exatamente como o bilhete fora encontrado. 'Sabem, rapazes', dissera, 'assim que a minha menina me disse que simplesmente tinha de ter um desses Bilhetes Dourados, fui à cidade e comecei a comprar todas as barras Wonka a que consegui deitar as mãos. Devo ter comprado milhares. Centenas de milhares! Depois mandei carregá-las em camiões e enviá-las diretamente para a minha própria fábrica. Estou no negócio dos amendoins, sabem, e tenho cerca de cem mulheres a trabalhar para mim no meu sítio, a descascar amendoins para assar e salgar. É o que fazem o dia todo, essas mulheres, ficam lá sentadas a descascar amendoins. Então, eu digo-lhes. "Muito bem, meninas", digo eu, "a partir de agora, podem parar de descascar amendoins e começar antes a descascar os invólucros destas barras de chocolate!" E elas fizeram-no. Tinha cada operária do sítio a arrancar o papel daquelas barras de chocolate a toda o vapor de manhã à noite.

'Mas passaram-se três dias, e não tivemos sorte. Oh, foi terrível! A minha pequena Veruca ficou cada vez mais transtornada a cada dia, e sempre que eu ia para casa, ela gritava-me, "Onde está o meu Bilhete Dourado? Quero  o meu Bilhete Dourado!" E ficava deitada no chão durante horas, a espernear e a gritar da maneira mais perturbadora. Bem, eu odiava ver a minha menina a sentir-se assim infeliz, por isso jurei continuar a busca até lhe conseguir o que ela queria. Depois, de repente... à tardinha do quarto dia, uma das minhas operárias gritou, "Já o tenho! Um Bilhete Dourado!" E eu disse, "Dá-mo, rápido!" e ela deu, e eu levei-o para casa a correr e dei-o à minha querida Veruca, e agora ela é toda sorrisos, e temos um lar feliz mais uma vez'.

'Ainda é pior do que o rapaz gordo', disse a Avó Josephine.

'Precisa de uma boa sova', disse a Avó Georgina.

'Acho que o pai da rapariga não jogou muito limpo, Avô, tu achas?', murmurou Charlie.

'Ele estraga-a com mimos', disse o Avô Joe. 'E nunca nenhum bem poderá vir de mimar assim uma criança, Charlie, ouve bem o que te digo'.

'Vem para a cama, meu querido', disse a mãe de Charlie. 'Amanhã fazes anos, não te esqueças, por isso conto que acordes cedo para abrires o teu presente'.

'Uma barra de chocolate Wonka!', exclamou Charlie. 'É uma barra Wonka, não é?'

'Sim, meu amor', disse a mãe. 'Claro que é'.

'Oh, não seria maravilhoso se eu encontrasse o terceiro Bilhete Dourado lá dentro?', disse Charlie.

'Trá-la cá quando a receberes', disse o Avô Joe. 'Depois podemos todos ver-te a tirar o invólucro'.

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7. O ANIVERSÁRIO DE CHARLIE 

 

'Parabéns!, exclamaram os quatro velhos avós, enquanto Charlie entrava no seu quarto cedo na manhã seguinte.

Charlie sorriu nervosamente e sentou-se na beira da cama. Segurava o presente, o seu único presente, com muito cuidado nas duas mãos. DELÍCIA DE FUDGE WONKA, dizia no invólucro.

Os quatro velhotes, dois em cada extremidade da cama, apoiaram-se nas almofadas e olharam com olhos ansiosos para a barra de chocolate nas mãos de Charlie.

O Sr. e a Sra. Bucket entraram e ficaram aos pés da cama, a observar Charlie.

O quarto ficou silencioso. Todos estavam agora à espera que Charlie começasse a abrir o presente. Charlie olhou para a barra de chocolate. Passou os dedos lentamente para trás e para a frente ao longo do comprimento, acariciando-a com carinho, e o invólucro de papel brilhante fez pequenos ruídos crepitantes no quarto silencioso. 

Depois a Sra. Bucket disse delicadamente, 'Não deves ficar muito desiludido, meu querido, se não encontrares o que procuras debaixo desse invólucro. Não podes esperar ter assim tanta sorte'.

'Ela tem toda a razão', disse o Sr. Bucket.

Charlie não disse nada.

'Afinal', disse a Avó Josephine, 'no mundo inteiro só restam três bilhetes para serem encontrados'.

'Há que lembrar', disse a Avó Georgina, 'que aconteça o que acontecer, ainda terás a barra de chocolate'.

'A Delícia de Fudge Wonka!', exclamou o Avô George. 'É a melhor de todas! Vais adorar!'

'Sim', sussurrou Charlie. 'Eu sei'.

'Esquece aqueles Bilhetes Dourados e aprecia o chocolate', disse o Avô Joe. 'Porque não fazes isso?'

Todos sabiam que era ridículo esperar que esta pobre barrinha de chocolate tivesse um bilhete mágico no interior, e tentavam o mais delicada e amavelmente que conseguiam preparar Charlie para a desilusão. Mas havia uma outra coisa que os adultos também sabiam, e era isto: que por muito pequena que pudesse ser a hipótese de ter sorte, a hipótese estava lá.

A hipótese tinha de estar lá.

Esta barra de chocolate em particular tinha tanta hipótese como qualquer outra de ter um Bilhete Dourado.

E era por isso que todos os avós e pais no quarto estavam tão tensos e empolgados como Charlie, embora fingissem estar muito calmos.

'É melhor abrires, ou vais atrasar-te para a escola', disse o Avô Joe.

'Mais vale despachares isso', disse o Avô George.

'Abre-a, meu querido', disse a Avó Georgina. 'Por favor, abre-a. Estás a deixar-me nervosa'.

Muito devagar, os dedos de Charlie começaram a abrir um cantinho do papel de embrulho.

Os velhotes na cama inclinaram-se todos para a frente, esticando os pescoços magros.

Depois, de repente, como se não aguentasse mais o suspense, Charlie rasgou o invólucro ao meio... e para o seu colo, caiu... uma barra de chocolate castanha-clara cor de creme.

Não havia sinal de um Bilhete Dourado em lado nenhum.

'E pronto!', disse o Avô Joe animadamente. 'É o que esperávamos'.

Charlie ergueu o olhar. Quatro velhas caras amáveis observavam-no atentamente da cama. Ele sorriu-lhes, um pequeno sorriso triste, e depois encolheu os ombros e pegou na barra de chocolate e estendeu-a para a mãe, e disse, 'Toma, Mãe, pega um bocado. Vamos partilhá-lo. Quero que todos provem'.

'Claro que não!', disse a mãe.

E os outros exclamaram todos, 'Não, não! Nem pensar! É toda tua!'

'Por favor', implorou Charlie, virando-se e oferecendo-o ao Avô Joe.

Mas nem ele nem nenhum outro tirou sequer um pedacinho.

'É hora de ir para a escola, meu querido', disse a Sra. Bucket, colocando um braço em volta dos ombros magros de Charlie. 'Anda, ou vais atrasar-te'.

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8. MAIS DOIS BILHETES DOURADOS ENCONTRADOS

 

Nessa noite, o jornal do Sr. Bucket anunciava a descoberta não apenas do terceiro Bilhete Dourado, mas também do quarto. DOIS BILHETES DOURADOS ENCONTRADOS HOJE, gritavam os cabeçalhos. SÓ FALTA MAIS UM.

'Muito bem', disse o Avô Joe, quando a família inteira estava reunida no quarto dos velhotes depois do jantar, 'vamos ouvir quem os encontrou'.

'O terceiro bilhete', leu o Sr. Bucket, segurando o jornal perto da cara porque os seus olhos eram maus e ele não tinha dinheiro para comprar óculos, 'o terceiro bilhete foi encontrado por uma Menina Violet Beauregarde. Havia um grande entusiasmo na casa dos Beauregarde quando o nosso repórter chegou para entrevistar a jovem sortuda - câmaras estalavam e lâmpadas de flash lampejavam, e as pessoas empurravam e atropelavam-se e tentavam aproximar-se um pouco mais da rapariga famosa. E a rapariga famosa estava de pé em cima de uma cadeira na sala de estar a abanar loucamente o Bilhete Dourado à distância de um braço como se fizesse sinal a um táxi. Falava muito depressa e muito alto para toda a gente, mas não era fácil ouvir tudo o que dizia porque mascava ferozmente uma pastilha elástica ao mesmo tempo.

"Normalmente masco pastilha elástica', gritava ela, "mas quando ouvi falar destes bilhetes do Sr. Wonka, desisti da pastilha e comecei com as barras de chocolate na esperança de ter sorte. Agora, claro, voltei à pastilha. Adoro pastilha. Não posso passar sem ela. Mastigo-a o dia todo exceto durante alguns minutos às horas das refeições quando a tiro e colo-a atrás da orelha para guardar. Para vos dizer a verdade, simplesmente não me sentiria confortável se não tivesse aquele pedacinho de pastilha para mascar a cada momento do dia, a sério. A minha mãe diz que não é elegante e fica feio ver os maxilares de uma menina a subir e a descer como os meus fazem o tempo todo, mas eu não concordo. E quem é ela para criticar, de qualquer maneira, porque na minha opinião, diria que os maxilares dela sobem e descem tanto como os meus só de gritar comigo todos os minutos do dia".

"Pronto, Violet", disse a Sra. Beauregarde de um canto distante da sala onde estava de pé em cima do piano para evitar ser pisada pela multidão.

"Está bem, Mãe, não te exaltes!", gritou a Menina Beauregarde. "E agora", continuou ela, virando-se de novo para os repórteres, "talvez vos interesse saber que esta pastilha que estou a mastigar neste momento é uma em que trabalho há mais de três meses seguidos. É um recorde. Bateu o recorde da minha melhor amiga, a Menina Cornelia Prinzmetel. E como ela ficou furiosa! Agora é o meu bem mais precioso, esta pastilha. À noite, colo-a na borda da cabeceira da cama, e de manhã está tão boa como sempre - um pouco dura no início, talvez, mas depressa volta a amolecer depois de lhe dar umas boas mastigadelas. Antes de começar a mastigar para o recorde mundial, mudava a minha pastilha uma vez por dia. Costumava fazê-lo no elevador no caminho para casa da escola. Porquê no elevador? Porque gostava de colar o pedaço pegajoso que tinha acabado num dos botões de controlo. Depois a próxima pessoa que viesse e carregasse no botão ficava com a minha pastilha na ponta do dedo. Ah, ah! E que barulheira faziam, alguns deles. Tem-se os melhores resultados com mulheres que têm luvas caras calçadas. Oh sim, estou radiante por ir à fábrica do Sr. Wonka. E soube que depois ele me vai dar pastilha suficiente para me durar o resto da minha vida inteira. Iupi! Hurra!"

'Rapariga horrível', disse a Avó Josephine.

'Desprezível!', disse a Avó Georgina. 'Vai acabar mal um dia, a mastigar essas pastilhas todas, vão ver se não vai'.

'E quem ficou com o quarto Bilhete Dourado?', perguntou Charlie. 

'Deixa cá ver', disse o Sr. Bucket, examinando de novo o jornal. 'Ah sim, cá está. O quarto Bilhete Dourado', leu ele, 'foi encontrado por um rapaz chamado Mike Tevê'.

'Outro fraco traste, tenho a certeza', murmurou a Avó Josephine.

'Não interrompas, Avó', disse a Sra. Bucket.

'A casa dos Tevê', disse o Sr. Bucket, continuando com a leitura, 'estava cheia, como todas as outras, de visitantes entusiasmados quando o nosso repórter chegou, mas o jovem Mike Tevê, o vencedor sortudo, parecia extremamente irritado com todo o assunto. "Não veem que estou a ver televisão, seus tolos?", disse, zangado. "Quem me dera que não interrompessem!"'

'O rapaz de nove anos estava sentado diante de um enorme televisor, com os olhos colados ao ecrã, e estava a ver um filme em que um bando de gangsters alvejava outro bando de gangsters com metralhadoras. O próprio Mike Tevê tinha nada menos que dezoito pistolas de brinquedo de vários tamanhos penduradas em cintos à volta do seu corpo, e de vez em quando saltava no ar e disparava meia dúzia de descargas de uma ou outra destas armas. 

"Silêncio!", gritou, quando alguém lhe tentou fazer uma pergunta. "Eu não te disse para não interromperes? Este filme é um espetáculo absoluto! É fantástico! Vejo-o todos os dias. Vejo todos eles todos os dias, mesmo os que não prestam, em que não há tiros. Gosto mais dos gangsters. São fantásticos, aqueles gangsters! Especialmente quando começam a encher-se uns aos outros de chumbo, ou a mostrar os punhais, ou a tratar da saúde uns aos outros com as soqueiras! Caramba, o que eu não daria para fazer isso! É a vida, estou-vos a dizer! É fantástico!"'

'Já chega!', disse a Avó Josephine rispidamente. 'Não suporto ouvir isso!'

'Nem eu', disse a Avó Georgina. 'Todas as crianças se portam assim hoje em dia - como estes fedelhos sobre os quais temos ouvido?'

'Claro que não', disse o Sr. Bucket, a sorrir para a velhinha na cama. 'Algumas portam-se, claro. Na verdade, muitas delas sim. Mas não todas'.

'E agora só resta um bilhete!', disse o Avô George.

'Exatamente', fungou a Avó Georgina. 'E tal como é certo que eu vou jantar sopa de couve amanhã, esse bilhete vai para um monstrinho desagradável que não o merece!'

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9. O AVÔ JOE ARRISCA

 

No dia seguinte, quando Charlie chegou a casa da escola e entrou para ver os avós, descobriu que apenas o Avô Joe estava acordado. Os outros três estavam todos a ressonar alto.

'Scchh!', sussurrou o Avô Joe, e acenou a Charlie para se aproximar. Charlie foi em bicos de pés e ficou ao lado da cama. O velho mostrou a Charlie um sorriso matreiro, e depois começou a remexer debaixo da almofada com uma mão; e quando a mão voltou a sair, havia um antigo porta-moedas de couro agarrado nos dedos. Escondido pela roupa da cama, o velho abriu o porta-moedas e virou-o ao contrário. Uma única moeda prateada de seis centavos caiu para fora. 'É a minha reserva secreta', sussurrou ele. 'Os outros não sabem que a tenho. E agora, tu e eu vamos ter mais uma tentativa para encontrar aquele último bilhete. Que tal, hein? Mas vais ter de me ajudar.'

'Tens a certeza de que queres gastar o teu dinheiro nisso, Avô?', sussurrou Charlie.

'Claro que tenho!', balbuciou o velho com entusiasmo. 'Não fiques aí a discutir! Estou tão desejoso de encontrar esse bilhete como tu! Toma - leva o dinheiro e corre pela rua até à loja mais próxima e compra a primeira barra Wonka que vires e trá-la direta de volta para mim, e vamos abri-la juntos.'

Charlie pegou na moedinha prateada, e escapou-se rapidamente do quarto. Dentro de cinco minutos, voltou.

'Tem-la?', sussurrou o Avô Joe, com os olhos a brilhar de entusiasmo.

Charlie acenou com a cabeça e estendeu a barra de chocolate. SURPRESA CROCANTE DE AVELÃS WONKA, dizia o invólucro.

'Ótimo!', sussurrou o velho, sentando-se na cama e esfregando as mãos. 'Agora - vem cá e senta-te junto a mim e vamos abri-la juntos. Estás pronto?'

'Sim', disse Charlie. 'Estou pronto.'

'Está bem. Rasga o primeiro bocado.'

'Não', disse Charlie, 'foste tu que pagaste. Faz tu tudo.'

Os dedos do velho tremiam terrivelmente enquanto remexiam no invólucro. 'Não temos esperança', sussurrou ele, rindo um pouco. 'Sabes que não temos esperança, não sabes?'

'Sim', disse Charlie. 'Eu sei isso'.

Olharam um para o outro, e começaram ambos a rir nervosamente.

'Entretanto', disse o Avô Joe, 'existe aquela possibilidade minúscula de que pode ser a tal, não concordas?'

'Sim', disse Charlie. 'Claro. Porque não a abres, Avô?'

'Tudo a seu tempo, meu rapaz, tudo a seu tempo. Que ponta achas que devo abrir primeiro?'

'Aquele canto. O mais afastado de ti. Rasga um pedaço minúsculo, mas não o suficiente para vermos alguma coisa.'

'Assim?', disse o velho.

'Sim. Agora um pouco mais.'

'Acaba tu', disse o Avô Joe. 'Estou demasiado nervoso.'

'Não, Avô. Tens de fazê-lo tu.'

'Muito bem, então. Cá vai.' Rasgou o invólucro.

Ambos olharam para o que se encontrava debaixo. Era uma barra de chocolate - nada mais.

De repente, ambos viram o lado engraçado da coisa, e desataram a rir à gargalhada.

'Que diabo se passa?', exclamou a Avó Josephine, acordando de repente.

'Nada', disse o Avô Joe. 'Volta a dormir'.

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 10. A FAMÍLIA COMEÇA A PASSAR FOME

 

Durante as duas semanas seguintes, o tempo ficou muito frio. Primeiro veio a neve. Começou uma manhã muito de repente enquanto Charlie Bucket se vestia para a escola. De pé junto à janela, viu os enormes flocos a flutuarem lentamente de um céu gelado que era da cor do aço.

À noite, tinha um metro de profundidade à volta da casa minúscula, e o Sr. Bucket teve de escavar um caminho da porta da frente até à rua.

Depois da neve, veio um vendaval gelado que soprou durante dias e dias sem parar. E oh, como estava um frio de rachar! Tudo o que Charlie tocava parecia ser feito de gelo, e cada vez que saía porta fora, o vento parecia uma faca na bochecha.

Dentro da casa, pequenos jatos de ar gelado entravam de roldão pelos lados das janelas e por baixo das portas, e não havia sítio para ir para lhes escapar. Os quatro velhos permaneciam calados e amontoados na cama, tentando manter o frio fora dos ossos. O entusiasmo pelos Bilhetes Dourados há muito que fora esquecido. Ninguém agora na família pensava em nada exceto nos dois problemas vitais de tentarem manter-se quentes e tentarem ter o suficiente para comer.

Há algo no tempo muito frio que dá um apetite enorme. A maioria de nós dá por nós a ansiar por estufados fumegantes ricos e tartes de maçã quentes e todos os tipos de pratos quentes deliciosos; e porque somos todos muito mais sortudos do que percebemos, costumamos conseguir o que queremos - ou perto disso. Mas Charlie Bucket nunca conseguiu o que queria porque a família não tinha dinheiro para isso, e à medida que o tempo frio continuava, ele ficou vorazmente e desesperadamente faminto. Ambas as barras de chocolate, a do aniversário e a que o Avô Joe tinha comprado, há muito que tinham sido debicadas, e tudo o que ele tinha agora era aquelas refeições escassas de couve três vezes por dia.

Depois, de repente, as refeições tornaram-se ainda mais escassas.

A razão para isto foi que a fábrica de pasta dos dentes, o sítio onde o Sr. Bucket trabalhava, foi de repente à falência e teve de encerrar. Rapidamente, o Sr. Bucket tentou arranjar outro emprego. Mas não teve sorte. No fim, a única maneira de conseguir ganhar alguns centavos foi a limpar neve com uma pá nas ruas. Mas não chegava para comprar sequer um quarto da comida de que sete pessoas precisavam. A situação tornou-se desesperada. Agora, o pequeno-almoço era uma única fatia de pão para cada pessoa, e o almoço era talvez meia batata cozida.

Devagar, mas certo, toda a gente na casa começou a passar fome.

E todos os dias, o pequeno Charlie Bucket, arrastando-se pela neve a caminho da escola, tinha de passar pela fábrica de chocolate gigante do Sr. Willy Wonka. E todos os dias, ao chegar perto dela, levantava o pequeno nariz pontiagudo no ar e aspirava o maravilhoso cheiro doce de chocolate derretido. Por vezes, ficava imóvel do lado de fora dos portões durante vários minutos a fio, a respirar e a engolir fundo como se tentasse comer o próprio cheiro.

'Aquela criança', disse o Avô Joe, levantando a cabeça de debaixo do cobertor numa manhã gelada, 'aquela criança tem de comer mais comida. Nós não importamos. Somos demasiado velhos para se incomodarem connosco. Mas um rapaz em crescimento! Não pode continuar assim! Está a começar a parecer um esqueleto!'

'O que se pode fazer?', murmurou a Avó Josephine, infelicíssima. 'Ele recusa-se a comer a nossa. Ouvi dizer que a mãe lhe tentou pôr o pedaço de pão dela no prato ao pequeno-almoço hoje de manhã, mas ele recusou-se a tocar nele. Obrigou-a a retirá-lo.'

'É um bom rapazinho', disse o Avô George. 'Merece melhor do que isto'.

O tempo cruel continuou.

E todos os dias, Charlie Bucket ficava cada vez mais magro. A cara dele tornou-se assustadoramente branca e chupada. A pele estava tão esticada sobre as bochechas que se podia ver as formas dos ossos por baixo. Parecia incerto se ele poderia continuar assim muito mais tempo sem ficar perigosamente doente.

E agora, muito calmamente, com aquela curiosa sabedoria que parece vir com tanta frequência a crianças pequenas em tempos de dificuldade, ele começou a fazer pequenas mudanças aqui e ali em algumas das coisas que fazia, de forma a poupar a força. De manhã, saía de casa dez minutos mais cedo para poder ir a pé devagar para a escola, sem nunca ter de correr. Ficava serenamente sentado na sala de aula durante o intervalo, a descansar, enquanto os outros corriam lá para fora e atiravam bolas de neve e lutavam na neve. Tudo o que fazia agora, fazia lenta e cuidadosamente, para evitar a exaustão.

Então, uma tarde, ao caminhar de volta para casa com o vento gelado na cara (e por acaso a sentir-se com mais fome do que alguma vez se sentira antes), algo prateado caído na sarjeta, na neve, chamou-lhe a atenção. Charlie desceu do passeio e dobrou-se para o examinar. Parte dela estava enterrado debaixo da neve, mas ele viu de imediato o que era.

Era uma moeda de cinquenta pence!

Olhou rapidamente à sua volta.

Será que alguém acabara de deixá-la cair?

Não - isso era impossível por causa da forma como parte dela estava enterrada.

Várias pessoas passaram apressadamente por ele no passeio, com o queixo afundado nas golas dos casacos, os pés a estalarem na neve. Nenhum deles procurava dinheiro nenhum; nenhum deles reparava minimamente no pequeno rapaz agachado na sarjeta.

Então seriam dele, estes cinquenta pence?

Poderia ficar com ela?

Com cuidado, Charlie tirou-a de debaixo da neve. Estava húmida e suja, mas de resto perfeita.

Cinquenta pence inteiros!

Segurou-a com firmeza entre os dedos trémulos, a olhar para ela. Significava apenas uma coisa para ele naquele momento, apenas uma coisa. Significava COMIDA.

Automaticamente, Charlie virou-se e começou a dirigir-se à loja mais próxima. Ficava apenas a dez passos de distância... era uma loja de jornais e artigos de papelaria, do tipo que vende quase tudo, incluindo doces e charutos... e o que ele faria, sussurrou rapidamente para si mesmo... compraria uma saborosa barra de chocolate e iria comê-la toda, cada pedaço dela, ali e naquele momento... e o resto do dinheiro iria levar levar direto de volta para casa e dá-lo à mãe.

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11. O MILAGRE

 

Charlie entrou na loja e pousou os cinquenta pence húmidos em cima do balcão.

'Uma Delícia Whipple-Scrumptious Fudgemallow Wonka', disse, lembrando-se do quanto tinha adorado a que comeu no seu aniversário.

O homem atrás do balcão tinha um ar gordo e bem alimentado. Tinha lábios grandes e bochechas gordas e um pescoço muito gordo. A gordura à volta do pescoço era saliente em volta do topo da gola como uma boia. Ele virou-se e esticou o braço atrás de si para a barra de chocolate, depois virou-se de novo e entregou-a a Charlie. Charlie agarrou-a e rasgou rapidamente o invólucro e deu uma enorme dentada. Depois deu outra... e outra... e oh, a alegria de poder enfiar grandes pedaços de algo doce e sólido na boca! A pura alegria maravilhosa de poder encher a boca com comida sólida rica!

'Estás com cara de quem queria essa, filho', disse o lojista cordialmente.

Charlie acenou com a cabeça, a boca inchada com chocolate.

O lojista pôs o troco de Charlie em cima do balcão. 'Vai com calma', disse. 'Vai dar-te uma dor de barriga se a engolires assim sem mastigar.'

Charlie continuou a devorar o chocolate. Não conseguia parar. E em menos de meio minuto, a coisa inteira tinha-lhe desaparecido pela garganta abaixo. Estava bastante ofegante, mas sentia-se maravilhosamente, extraordinariamente feliz. Estendeu uma mão para pegar no troco. Depois fez uma pausa. Os seus olhos estavam pouco acima do nível do balcão. Olhavam para as moedas prateadas lá pousadas. As moedas eram todas de cinco pence. Havia nove no total. Certamente não importaria se gastasse apenas mais uma...

'Eu acho', disse ele baixinho, 'eu acho que... vou comer só mais uma dessas barras de chocolate. O mesmo tipo de antes, por favor'.

'Porque não?', disse o lojista gordo, voltando a esticar o braço atrás de si e tirando outra Delícia Whipple-Scrumptious Fudgemallow da prateleira. Pousou-a no balcão.

Charlie pegou nela e rasgou o invólucro... e de repente... de debaixo do invólucro... veio um brilhante clarão de ouro.

O coração de Charlie parou.

'É um Bilhete Dourado!', gritou o lojista, saltando cerca de trinta centímetros no ar. 'Tens um Bilhete Dourado! Encontraste o último Bilhete Dourado! Ei, dá para acreditar? Venham todos olhar para isto! O miúdo encontrou o último Bilhete Dourado do Wonka! Ali está ele! Está aqui mesmo nas mãos dele!'

Parecia que o lojista podia ter um ataque. 'E na minha loja!', gritou. 'Encontrou-o aqui mesmo na minha própria lojinha! Alguém ligue aos jornais rápido e avise-os! Cuidado agora, filho! Não o rasgues ao desembrulhar! Essa coisa é preciosa!'

Em poucos segundos, havia uma multidão de cerca de vinte pessoas a amontoar-se à volta de Charlie, e muitas mais abriam caminho vindas da rua. Toda a gente queria ver o Bilhete Dourado e o felizardo que o encontrou.

'Onde está?', gritou alguém. 'Levanta-o para todos podermos ver!'

'Ali está, ali!', gritou outra pessoa. 'Está a segurá-lo nas mãos! Vê o brilho dourado!'

'Como é que ele conseguiu encontrá-lo, gostaria de saber?', gritou um rapaz grande, zangado. 'Há semanas e semanas que compro vinte barras por dia!'

'Pensa em todas as coisas gratuitas que ele vai receber também!', disse outro rapaz com inveja. 'Uma reserva para a vida inteira!'

'Bem vai precisar, o magricela!', disse uma rapariga a rir.

Charlie não se tinha mexido. Nem sequer tinha desembrulhado o Bilhete Dourado de volta do chocolate. Estava muito quieto, a segurá-lo firmemente com as duas mãos enquanto a multidão empurrava e gritava a toda a sua volta. Sentia-se bastante tonto. Havia uma peculiar sensação flutuante a apoderar-se dele, como se estivesse a flutuar no ar como um balão. Os seus pés não pareciam de todo tocar no chão. Conseguia ouvir o coração a bater alto algures na garganta.

Nesse momento, ganhou consciência de uma mão levemente pousada no seu ombro, e quando olhou para cima, viu um homem alto de pé sobre ele. 'Escuta', sussurrou o homem. 'Eu compro-to. Dou-te cinquenta libras. Que tal, hein? E também te dou uma bicicleta nova. Está bem?'

'Está louco?', gritou uma mulher que estava igualmente perto. 'Ora, eu dava-lhe duzentas libras por esse bilhete! Queres vender esse bilhete por duzentas libras, rapaz?'

'Já chega disso!', gritou o lojista gordo, abrindo caminho através da multidão e pegando em Charlie firmemente pelo braço. 'Deixem o miúdo em paz, sim? Abram alas! Deixem-no sair!' E para Charlie, enquanto o conduzia para a porta, sussurrou: 'Não deixes que ninguém fique com ele! Leva-o direto para casa, depressa, antes que o percas! Corre o caminho todo e não pares até chegares lá, percebes?'

Charlie acenou com a cabeça.

'Sabes uma coisa', disse o lojista gordo, fazendo uma pausa por um momento e sorrindo para Charlie, 'tenho a sensação de que precisavas de uma oportunidade destas. Fico muito contente que a tenhas tido. Boa sorte para ti, filho.'

'Obrigado', disse Charlie, e lá foi ele, a correr pela neve tão depressa quanto as suas pernas permitiam. E ao passar a voar pela fábrica do Sr. Willy Wonka, virou-se e acenou para ela e gritou: 'Até à vista! Até breve!' E cinco minutos depois chegou à sua própria casa.

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12. O QUE DIZIA NO BILHETE DOURADO

 

Charlie irrompeu pela porta da frente, a gritar: 'Mãe! Mãe! Mãe!'

A Sra. Bucket estava no quarto dos avós idosos, a servir-lhes a sopa da noite.

'Mãe!', gritou Charlie, entrando a correr como um furacão. 'Olha! Já o tenho! Olha, Mãe, olha! O último Bilhete Dourado! É meu! Encontrei dinheiro na rua e comprei duas barras de chocolate e a segunda tinha o Bilhete Dourado e havia multidões ao meu redor a querer vê-lo e o lojista salvou-me e corri o caminho todo para casa e aqui estou eu! É O QUINTO BILHETE DOURADO, MÃE, E EU ENCONTREI-O!'

A Sra. Bucket ficou simplesmente a olhar, enquanto os quatro avós idosos, que estavam sentados na cama a equilibrar taças de sopa no colo, deixaram todos cair as colheres com um estrépito e ficaram paralisados contra as almofadas.

Durante cerca dez segundos, houve silêncio absoluto no quarto. Ninguém se atreveu a falar ou a mexer-se. Foi um momento mágico.

Depois, muito baixinho, o Avô Joe disse: 'Estás a brincar connosco, Charlie, não estás? Estás a pregar uma partida?'

'Não estou!', exclamou Charlie, correndo para a cama e estendendo o grande e lindo Bilhete Dourado para ele ver.

O Avô Joe inclinou-se para a frente e olhou de perto, o nariz quase a tocar no bilhete. Os outros observaram-no, à espera do veredito.

Depois, muito devagar, com um lento e maravilhoso sorriso a espalhar-se por todo o rosto, o Avô Joe levantou a cabeça e olhou diretamente para Charlie. A cor corria-lhe para as bochechas, e tinha os olhos arregalados, a brilhar de alegria, e no centro de cada olho, mesmo no centro, na pupila negra, uma pequena faísca de entusiasmo selvagem dançava lentamente. Depois o velho respirou fundo, e de repente, sem qualquer aviso, uma explosão pareceu ocorrer dentro dele. Ergueu os braços e gritou: 'Yippeeeeeeee!' E ao mesmo tempo, o seu longo corpo ossudo levantou-se da cama e a taça de sopa foi a voar contra a cara da Avó Josephine, e num salto fantástico, este velho indivíduo de noventa e seis anos e meio, que não tinha saído da cama nestes últimos vinte anos, saltou para o chão e começou a fazer uma dança de vitória de pijama.

'Yippeeeeeeeeee!', gritou. 'Três vivas para o Charlie! Hip, hip, hurra!'

Neste momento, a porta abriu-se, e o Sr. Bucket entrou no quarto. Tinha frio e estava cansado, e tinha aspeto disso. O dia todo, tinha limpado neve com uma pá nas ruas.

'Caramba!', exclamou. 'Que se passa aqui?'

Não demoraram muito a contar-lhe o que tinha acontecido.

'Não acredito!', disse ele. 'Não é possível.'

'Mostra-lhe o bilhete, Charlie!', gritou o Avô Joe, que continuava a dançar como um dervixe no sue pijama às riscas. 'Mostra ao teu pai o quinto e último Bilhete Dourado do mundo!'

'Deixa-me vê-lo, Charlie', disse o Sr. Bucket, caindo numa cadeira e estendendo a mão. Charlie avançou com o precioso documento.

Era uma coisa muito bela, este Bilhete Dourado, tendo sido feito, assim parecia, de uma folha de ouro puro martelada quase até à finura do papel. De um lado, gravado por um método engenhoso em letras preto-azeviche, estava o convite em si - do Sr. Wonka.

'Lê-o em voz alta', disse o Avô Joe, voltando finalmente para a cama. 'Vamos todos ouvir exatamente o que diz.'

O Sr. Bucket segurou o belo Bilhete Dourado perto dos olhos. As suas mãos tremiam ligeiramente, e ele parecia estar dominado pelo assunto. Respirou fundo várias vezes. Depois pigarreou, e disse: 'Muito bem, vou lê-lo. Cá vamos nós:

Saudações a ti, o felizardo que encontrou este Bilhete Dourado, do Sr. Willy Wonka! Ofereço-te um caloroso aperto de mão! Coisas extraordinárias estão reservadas para ti! Muitas surpresas maravilhosas te aguardam! Por agora, convido-te a vires à minha fábrica e a seres meu convidado por um dia inteiro - tu e todos os outros que têm a sorte de encontrar os meus Bilhetes Dourados. Eu, Willy Wonka, vou conduzir-te pessoalmente pela fábrica, mostrando-te tudo o que há para ver, e depois, quando for hora de ir embora, serás acompanhado a casa por uma procissão de grandes camiões. Estes camiões, posso prometer-te, estarão carregados com comestíveis deliciosos suficientes para te durarem a ti e à tua família inteira durante muitos anos. Se, em qualquer momento posterior, ficares sem provisões, só tens de voltar à fábrica e mostrar este Bilhete Dourado, e eu terei gosto em reabastecer o teu armário com o que tu quiseres. Desta forma, poderás manter-te abastecido de pedaços saborosos para o resto da vida. Mas isto não é de modo nenhum a coisa mais empolgante que acontecerá no dia da tua visita. Estou a preparar outras surpresas que são ainda mais maravilhosas e mais fantásticas para ti e para todos os meus adorados detentores de Bilhetes Dourados - surpresas místicas e maravilhosas que te vão fascinar, encantar, intrigar, espantar e deixar perplexo além dos limites. Nem nos teus sonhos mais loucos poderias imaginar que tais coisas te poderiam acontecer! Espera só para ver! E agora, aqui estão as tuas instruções: o dia que escolhi para a visita é o primeiro dia do mês de fevereiro. Neste dia, e em nenhum outro, tens de vir aos portões da fábrica às dez da manhã em ponto. Não te atrases! E estás autorizado a trazer contigo um ou dois membros da tua família para cuidarem de ti e para assegurarem que não te metes em dificuldades. Mais uma coisa - certifica-te de que tens este bilhete contigo, caso contrário não serás admitido.

(Assinado) Willy Wonka.

 

'O primeiro dia de fevereiro!', exclamou a Sra. Bucket. 'Mas isso é amanhã! Hoje é o último dia de janeiro. Eu sei que é!'

'Caramba!', disse o Sr. Bucket. 'Acho que tens razão!'

'Estás mesmo a tempo!', gritou o Avô Joe. 'Não há um momento a perder. Tens de começar a fazer os preparativos imediatamente! Lava a cara, penteia o cabelo, esfrega as mãos, escova os dentes, assoa o nariz, corta as unhas, engraxa os sapatos, passa a camisa a ferro, e por amor de Deus, tira essa lama toda das calças! Tens de te preparar, meu rapaz! Tens de te preparar para o maior dia da tua vida!'

'Não te entusiasmes demais, Avô', disse a Sra. Bucket. 'E não enerves o coitado do Charlie. Temos todos de tentar manter-nos muito calmos. Agora, a primeira coisa a decidir é isto - quem vai com o Charlie à fábrica?'

'Eu vou!', gritou o Avô Joe, saltando para fora da cama outra vez. 'Eu levo-o! Eu cuido dele! Deixa comigo!'

A Sra. Bucket sorriu para o idoso, depois virou-se para o marido e disse: 'Que tal tu, querido? Não achas que devias ir tu?'

'Bem...', disse o Sr. Bucket, fazendo uma pausa para pensar nisso, 'não... não tenho a certeza se deveria'.

'Mas deves ir.'

'Não há nenhum dever nisto, minha querida', disse o Sr. Bucket delicadamente. 'Entretanto, adoraria ir. Será tremendamente empolgante. Mas por outro lado... creio que a pessoa que merece mesmo ir mais do que todos é o próprio Avô Joe. Parece saber mais sobre o assunto do que nós. Desde que, claro, se sinta bem o suficiente...'

'Yippeeeeee!', gritou o Avô Joe, agarrando Charlie pelas mãos e dançando pelo quarto.

'Certamente parece bem o suficiente', disse a Sra. Bucket, rindo. 'Sim... talvez tenhas razão, afinal. Talvez devesse ser o Avô Joe a ir com ele. Certamente que não posso ir e deixar os outros três velhotes sozinhos na cama durante um dia inteiro'. 

'Aleluia!', gritou o Avô Joe. 'Louvai o Senhor!'

Nesse momento, houve uma pancada alta na porta da frente. O Sr. Bucket foi abri-la, e no momento seguinte, magotes de jornalistas e fotógrafos entravam na casa em torrentes. Tinham localizado o descobrir do quinto Bilhete Dourado, e agora todos queriam obter a história completa para as primeiras páginas dos jornais matinais. Durante várias horas, houve um completo pandemónio na casinha, e devia ser quase meia-noite antes de o Sr. Bucket se conseguir livrar deles para Charlie poder ir para a cama.

 

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13. CHEGA O GRANDE DIA

 

O sol brilhava intensamente na manhã do grande dia, mas o chão ainda estava branco com neve e o ar estava muito frio.

Do lado de fora dos portões da fábrica Wonka, enormes multidões de pessoas tinham-se reunido para verem os cinco detentores de bilhetes sortudos entrar. O entusiasmo era tremendo. Era um pouco antes das dez horas. As multidões empurravam e gritavam, e polícias de braços dados tentavam afastá-las dos portões.

Mesmo ao lado dos portões, num pequeno grupo que estava cuidadosamente protegido das multidões pela polícia, estavam as cinco crianças famosas, juntas com os adultos que tinham vindo com elas.

A figura alta ossuda do Avô Joe podia ser vista tranquilamente de pé entre eles, e ao lado dele, segurando-lhe a mão com firmeza, estava o pequeno Charlie Bucket em pessoa.

Todas as crianças, exceto Charlie, tinham tanto as mães como os pais com eles, e ainda bem que tinham, senão o grupo inteiro podia ter-se descontrolado. Estavam tão ansiosos por ir que os pais tinham de afastá-los à força para os impedir de treparem os portões. 'Sê paciente!', gritavam os pais. 'Está quieto! Ainda não é hora! Não são dez horas!'

Atrás dele, Charlie Bucket conseguia ouvir os gritos das pessoas na multidão enquanto empurravam e lutavam para terem um vislumbre das crianças famosas.

'Está ali a Violet Beauregarde!', ouviu alguém gritar. 'É ela, sim! Lembro-me da cara dela dos jornais!'

'E sabes que mais?', gritou outra pessoa de volta. 'Ainda está a mascar aquela horrível pastilha velha que tem há três meses! Olha para os maxilares dela! Continuam a trabalhar nela!'

'Quem é o rapaz gordo grande?'

'É o Augustus Gloop!'

'Pois é!'

'Enorme, não é?'

'Fantástico!'

'Quem é o miúdo com a imagem do Mascarilha estampada no casaco?'

'É o Mike Tevê! É o viciado em televisão!'

'Deve ser maluco! Olha para aquelas pistolas de brinquedo todas que tem penduradas!'

'A que eu quero ver é a Veruca Salt!', gritou outra voz na multidão. 'É a rapariga cujo pai comprou meio milhão de barras de chocolate e depois obrigou as funcionárias da sua fábrica de amendoins a desembrulhar cada uma delas até encontrarem um Bilhete Dourado! Dá-lhe tudo o que ela quer! Absolutamente qualquer coisa! Só tem de começar a gritar por isso e recebe-o!'

'Medonho, não é?'

'Chocante, chamo-lhe eu!'

'Qual achas que é ela?'

'Aquela! Acolá à esquerda! A menina no casaco prateado de vison!'

'Qual é o Charlie Bucket?'

'O Charlie Bucket? Deve ser aquele anãozinho magricela ao lado do velhote que parece um esqueleto. Muito perto de nós. Mesmo ali! Estás a vê-lo?'

'Porque não tem um casaco vestido com este tempo frio?'

'Não me perguntes. Se calhar não tem dinheiro para um.'

'Valha-me Deus! Deve estar gelado!'

Charlie, de pé apenas a alguns passos de distância do interlocutor, deu um aperto à mão do Avô Joe, e o velho baixou o olhar para Charlie e sorriu.

Algures à distância, um relógio de igreja começou a dar as dez horas. 

Muito devagar, com um rangido alto de dobradiças ferrugentas, os grandes portões de ferro da fábrica começaram a abrir-se.

A multidão ficou subitamente silenciosa. As crianças pararam de saltar. Todos os olhos estavam fixos nos portões.

'Ali está ele!', gritou alguém. 'É ele!'

E era mesmo!

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14. O SR. WILLY WONKA

 

O Sr. Wonka estava de pé sozinho dentro dos portões abertos da fábrica.

E que homenzinho extraordinário era!

Tinha uma cartola preta na cabeça.

Usava uma casaca feita de um lindo veludo cor de ameixa.

As calças eram verde-garrafa.

As luvas eram cinzento-pérola.

E numa mão trazia uma bela bengala com topo de ouro.

A cobrir-lhe o queixo, havia uma pequena, asseada e pontiaguda barba negra - uma pera. E os seus olhos - os seus olhos eram maravilhosamente brilhantes. Pareciam faiscar e cintilar para nós o tempo todo. A cara inteira, na verdade, estava iluminada com diversão e riso.

E oh, como parecia inteligente! Quão sagaz e perspicaz e cheio de vida! Estava sempre a fazer pequenos movimentos bruscos com a cabeça, inclinando-a nesta e naquela direção, e a assimilar tudo com aqueles olhos cintilantes. Era como um esquilo na rapidez dos seus movimentos, como um esquilo rápido e hábil do parque.

De repente, fez uma dancinha saltitante na neve, e abriu os braços, e sorriu para as cinco crianças que estavam aglomeradas junto dos portões, e gritou: 'Bem-vindos, meus amiguinhos! Bem-vindos à fábrica!'

A sua voz era aguda e aflautada. 'Avancem um de cada vez, por favor', gritou, 'e tragam os vossos pais. Depois mostrem-me o vosso Bilhete Dourado e deem-me o vosso nome. Quem é o primeiro?'

O grande rapaz gordo avançou. 'Sou o Augustus Gloop', disse.

'Augustus!', exclamou o Sr. Wonka, apertando-lhe a mão e puxando-a para cima e para baixo com uma força tremenda. 'Meu querido rapaz, que bom ver-te! Contentíssimo! Encantado! Radiante por te ter connosco! E estes são os teus pais? Que bom! Entra! Entra! Isso mesmo! Passa pelos portões!'

O Sr. Wonka estava claramente tão entusiasmado como todos os outros.

'O meu nome', disse a próxima criança a avançar, 'é Veruca Salt.'

'Minha querida Veruca! Como estás? Que prazer que é! Tens mesmo um nome interessante, não é? Sempre pensei que uma veruca era uma espécie de verruga que se tem na planta do pé! Mas devo estar enganado, não é? Como estás bonita nesse belo casaco de vison! Estou tão contente que pudeste vir! Valha-me Deus, este vai ser um dia tão entusiasmante! Espero mesmo que gostes! Tenho a certeza que vais! Eu sei que vais! O teu pai? Como está, Sr. Salt? E Sra. Salt? Radiante por vos ver! Sim, o bilhete está totalmente em ordem! Por favor, entrem!'

As duas crianças seguintes, Violet Beauregarde e Mike Tevê, avançaram para terem os bilhetes examinados e depois para terem praticamente os braços arrancados dos ombros pelo enérgico Sr. Wonka.

E, por fim, uma vozinha nervosa sussurrou: 'Charlie Bucket.'

'Charlie!', exclamou o Sr. Wonka. 'Ora, ora, ora! Então aí estás tu! És aquele que encontrou o bilhete apenas ontem, não és? Sim, sim. Li tudo sobre isso nos jornais desta manhã! Mesmo a tempo, meu querido rapaz! Estou tão contente! Tão feliz por ti! E este? O teu avô? Contentíssimo por conhecê-lo, senhor! Radiante! Extasiado! Encantado! Muito bem! Excelente! Já estão todos cá dentro? Cinco crianças? Sim! Ótimo! Agora, façam o favor de me seguir! A nossa visita está prestes a começar! Mas por favor mantenham-se juntos! Por favor não se afastem sozinhos! Não gostaria de perder nenhum de vocês neste ponto das atividades! Oh, valha-me Deus, não!'

Charlie olhou para trás por cima do ombro e viu os grandes portões de ferro da entrada a fecharem lentamente atrás dele. As multidões no exterior continuavam aos empurrões e aos gritos. Charlie lançou-lhes um último olhar. Depois, enquanto os portões se fechavam com um clangor, toda a visão do mundo exterior desapareceu.

'Cá estamos!', exclamou o Sr. Wonka, caminhando a passo rápido à frente do grupo. 'Por esta grande porta vermelha, por favor! Isso mesmo! Está bem quentinho cá dentro! Tenho de manter o calor dentro da fábrica por causa dos funcionários! Os meus trabalhadores estão habituados a um clima extremamente quente! Não suportam o frio! Iriam perecer se fossem lá para fora com este tempo! Morreriam de frio!'

'Mas quem são estes funcionários?', perguntou Augustus Gloop.

'Tudo a seu tempo, meu querido rapaz!', disse o Sr. Wonka, sorrindo para Augustus. 'Sê paciente! Verás tudo à medida que avançarmos! Estão todos cá dentro? Ótimo! Importam-se de fechar a porta? Obrigado!'

Charlie Bucket deu por si num longo corredor que se estendia à sua frente até onde a vista alcançava. O corredor era tão largo que um carro poderia ser facilmente conduzido ao longo deste. As paredes eram de um rosa pálido, a iluminação era suave e agradável.

'Que agradável e quentinho!', sussurrou Charlie.

'Eu sei. E que cheiro maravilhoso!', respondeu o Avô Joe, dando uma longa e profunda fungadela. Todos os cheiros mais maravilhosos do mundo pareciam estar misturados no ar à volta deles - o cheiro de café a torrar e açúcar queimado e chocolate a derreter e menta e violetas e avelãs esmagadas e flor de macieira e caramelo e casca de limão...

E à distância, do coração da grande fábrica, vinha um rugido de energia abafado como se uma monstruosa máquina gigantesca rodasse as suas rodas a uma velocidade vertiginosa.

'Agora este, minhas queridas crianças', disse o Sr. Wonka, levantando a voz sobre o ruído, 'este é o corredor principal. Façam o favor de pendurar os casacos e chapéus nesses cabides aí, e depois sigam-me. É assim mesmo! Ótimo! Todos prontos? Vamos lá, então! Cá vamos nós!' Caminhou a passo rápido pelo corredor com a cauda do casaco de veludo cor de ameixa a ondular atrás dele, e os visitantes correram todos no seu encalço.

Era um grupo bastante grande de pessoas, pensando bem. Havia nove adultos e cinco crianças, catorze ao todo. Por isso podem imaginar que houve uma grande quantidade de empurrões e encontrões enquanto se atropelavam e apressavam pela passagem, tentando acompanhar a figurinha rápida à sua frente. 'Vá lá!', exclamou o Sr. Wonka. 'Despachem-se, por favor! Nunca daremos a volta à fábrica hoje se demorarem assim!'

Pouco depois, virou à direita no corredor principal para outra passagem ligeiramente mais estreita.

Depois virou à esquerda.

Depois à esquerda outra vez.

Depois direita.

Depois esquerda.

Depois direita.

Depois direita.

Depois esquerda.

O lugar era como um gigantesco viveiro de coelhos, com passagens que conduziam por este caminho e por aquele em todas as direções.

'Não largues a minha mão, Charlie', sussurrou o Avô Joe.

'Reparem como todas estas passagens inclinam para baixo!', gritou o Sr. Wonka. 'Vamos agora para debaixo da terra! Todas as salas mais importantes da minha fábrica são bem abaixo da superfície!'

'Porquê?', perguntou alguém.

'Não haveria espaço suficiente para elas no topo!', respondeu o Sr. Wonka. 'Estas salas que vamos ver são enormes! São maiores que campos de futebol! Nenhum edifício do mundo seria grande o suficiente para as conter! Mas aqui em baixo, debaixo do chão, tenho todo o espaço que quero. Não há limite - desde que o escave.'

O Sr. Wonka virou à direita.

Virou à esquerda.

Virou de novo à direita.

As passagens inclinavam-se agora cada vez mais para baixo.

Depois, de repente, o Sr. Wonka parou. À sua frente, havia uma porta brilhante de metal. O grupo amontoou-se à volta. Na porta, em letras grandes, dizia:

A SALA DO CHOCOLATE

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15. A SALA DO CHOCOLATE

 

'Uma sala importante, esta!', exclamou o Sr. Wonka, tirando um molho de chaves do bolso e enfiando uma na fechadura da porta. 'Este é o centro nervoso da fábrica inteira, o coração do negócio inteiro! E tão lindo! Insisto que as minhas salas sejam lindas! Não suporto fealdade nas fábricas! Vamos lá entrar, então! Mas tenham cuidado, minhas queridas crianças! Não percam a cabeça! Não se entusiasmem demais! Mantenham-se muito calmos!'

O Sr. Wonka abriu a porta. Cinco crianças e nove adultos entraram aos empurrões - e oh, que visão espantosa lhes chegava agora aos olhos!

Olhavam para um vale encantador. Havia prados verdes de cada lado do vale, e ao longo do fundo corria um grande rio castanho.

Além disso, havia uma enorme cascata a meio do rio - um penhasco íngreme sobre o qual a água enrolava e rolava num lençol sólido, e depois ia cair num remoinho a ferver de espuma e borrifos.

Por baixo da cascata (e esta era a visão mais surpreendente de todas), uma massa inteira de enormes tubos de vidro pendia para dentro do rio de algum sítio alto no teto! Eram mesmo enormes, aqueles tubos. Devia haver pelo menos uma dúzia deles, e sugavam a água turva acastanhada do rio e transportavam-na para sabe-se lá onde. E porque eram feitos de vidro, podia ver-se o líquido a correr e a borbulhar dentro deles, e sobre o barulho da cascata, podia ouvir-se o interminável som de sucção dos tubos enquanto eles faziam o seu trabalho.

Árvores e arbustos graciosos cresciam ao longo das margens do rio - salgueiros e amieiros e moitas altas de rododendros com as suas flores cor-de-rosa e vermelhas e malva. Nos prados havia milhares de ranúnculos.

'Ali!', exclamou o Sr. Wonka, dançaricando e apontando a bengala com topo de ouro para o grande rio castanho. 'É tudo chocolate! Cada gota daquele rio é chocolate quente derretido da melhor qualidade. Da mais alta qualidade. Há chocolate suficiente ali para encher cada banheira do país inteiro! E todas as piscinas também! Não é formidável? E olhem para os meus tubos! Sugam o chocolate e transportam-no para todas as outras salas da fábrica onde é necessário! Milhares de litros por hora, minhas queridas crianças! Milhares e milhares de litros!'

As crianças e os pais estavam demasiado atónitos para falar. Estavam pasmados. Estavam estarrecidos. Estavam desnorteados e deslumbrados. Estavam completamente impressionados com a enormidade de tudo. Ficaram simplesmente parados a olhar.

'A cascata é muitíssimo importante!', continuou o Sr. Wonka. 'Mistura o chocolate! Bate-o! Deixa-o leve e espumoso! Nenhuma outra fábrica no mundo mistura o chocolate com uma cascata! Mas é a única maneira de o fazer como deve ser! A única maneira! E gostam das minhas árvores?', gritou, apontando com a bengala. 'E dos meus belos arbustos? Não acham que são bonitos? Eu disse que detestava fealdade! E claro que são todos comestíveis! Tudo feito de algo diferente e delicioso! E gostam dos meus prados? Gostam da minha relva e dos meus ranúnculos? A relva que estão a pisar, meus queridos pequenos, é feita de um novo tipo de açúcar suave e mentolado que acabei de inventar! Chamo-lhe swudge! Provem uma folha! Por favor! É deleitável!'

Automaticamente, todos se baixaram e apanharam uma folha de relva - isto é, todos exceto Augustus Gloop, que tirou uma grande mão-cheia.

E Violet Beauregarde, antes de provar a sua folha de relva, tirou a pastilha batedora de recordes mundiais da boca e colou-a cuidosamente atrás da orelha.

'Não é maravilhoso?', sussurrou Charlie. 'Não tem um sabor maravilhoso, Avô?'

'Podia comer o campo inteiro!', disse o Avô Joe, sorrindo encantado. 'Podia andar por aí de gatas como uma vaca e comer cada folha de relva do campo!'

'Prove um ranúnculo!', exclamou o Sr. Wonka. 'São ainda melhores!'

De repente, o ar encheu-se de gritos de entusiasmo. Os gritos vinham da Veruca Salt. Apontava freneticamente para o outro lado do rio. 'Olhem! Olhem ali!', gritou. 'O que é? Ele está a mexer-se! Está a andar! É uma pessoa pequena! É um homem pequeno! Ali em baixo, por baixo da cascata!'

Todos pararam de apanhar ranúnculos e olharam para o outro lado do rio.

'Ela tem razão, Avô!', exclamou Charlie. 'É um homem pequeno! Consegues vê-lo?'

'Vejo-o, Charlie!', disse o Avô Joe, entusiasmado.

E agora começaram todos a gritar ao mesmo tempo.

'São dois!'

'Meu Deus, são mesmo!'

'São mais de dois! Há um, dois, três, quatro, cinco!'

'O que estão a fazer?'

'De onde vêm?'

'Quem são?'

Tanto as crianças como os pais correram para a beira do rio para verem mais de perto.

'Não são fantásticos?'

'Não são mais altos que o meu joelho!'

'Olhem para o estranho cabelo comprido!'

Os homens pequeninos - não eram maiores do que bonecos de tamanho médio - tinham parado o que estavam a fazer, e agora devolviam o olhar aos visitantes do outro lado do rio. Um deles apontou na direção das crianças, e depois sussurrou algo para os outros quatro, e os cinco desataram às gargalhadas.

'Mas não podem ser pessoas reais', disse Charlie.

'Claro que são pessoas reais', respondeu o Sr. Wonka. 'São Umpa-Lumpas'.

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16. OS UMPA-LUMPAS

 

'Umpa-Lumpas!', disseram todos ao mesmo tempo. 'Umpa-Lumpas!'

'Importados diretamente da Lumpalândia', disse o Sr. Wonka com orgulho.

'Esse sítio não existe', disse a Sra. Salt.

'Desculpe, cara senhora, mas...'

'Sr. Wonka', exclamou a Sra. Salt. 'Sou professora de geografia...'

'Então saberá tudo sobre ele', disse o Sr. Wonka. 'E oh, que país terrível é! Nada além de selvas densas infestadas das mais perigosas bestas do mundo - hornswogglers e snozzwangers e aqueles terríveis whangdoodles malvados. Um whangdoodle comeria dez Umpa-Lumpas ao pequeno-almoço e voltaria a galopar para uma segunda dose. Quando lá fui, encontrei os pequenos Umpa-Lumpas a viverem em casas nas árvores. Tinham de viver em casas nas árvores para escaparem dos whangdoodles e hornswogglers e snozzwangers. E viviam de lagartas verdes, e as lagartas tinham um sabor nojento, e os Umpa-Lumpas passavam cada momento dos seus dias a trepar por entre as copas das árvores à procura de outras coisas para misturar com as lagartas para fazê-las saber melhor - escaravelhos vermelhos, por exemplo, e folhas de eucalipto, e a casca da árvore bong-bong, todos eles horríveis, mas não tão horríveis como as lagartas. Pobres pequenos Umpa-Lumpas! O único alimento que ansiavam mais do que qualquer outro era o grão do cacau. Mas não conseguiam arranjá-lo. Um Umpa-Lumpa tinha sorte se encontrasse três ou quatro grãos de cacau por ano. Mas oh, como os desejavam. Costumavam sonhar com grãos de cacau a noite toda e falar sobre eles o dia todo. Só tínhamos de mencionar a palavra "cacau" a um Umpa-Lumpa e ele começava a babar-se. O grão do cacau', continuou o Sr. Wonka, 'que cresce no cacaueiro, é a coisa da qual todo o chocolate é feito. Não se pode fazer chocolate sem o grão do cacau. O grão do cacau é chocolate. Eu próprio uso biliões de grãos de cacau todas as semanas nesta fábrica. E então, minhas queridas crianças, assim que descobri que os Umpa-Lumpas eram loucos por este alimento em particular, subi à sua aldeia de casas nas árvores e enfiei a cabeça pela porta da casa na árvore que pertencia ao líder da tribo. O pobre pequenote, com um ar magro e esfomeado, estava lá sentado a tentar comer uma taça cheia de lagartas verdes esmagadas sem vomitar. "Olha lá", disse eu (falando não em Inglês, claro, mas em Umpa-Lumpês), "olha lá, se tu e todo o teu povo voltarem para o meu país e viverem na minha fábrica, podem ter todos os grãos de cacau que quiserem! Tenho montes deles nos meus armazéns! Podem comer grãos de cacau a todas as refeições! Podem empanturrar-se deles! Até pago os vossos salários em grãos de cacau se desejarem!"

'"Está mesmo a falar a sério?", perguntou o líder dos Umpa-Lumpas, levantando-se da cadeira com um salto. 

'Claro que estou a falar a sério', disse eu. 'E também podem comer chocolate. O chocolate sabe ainda melhor do que grãos de cacau porque tem leite e açúcar adicionados'.

'O homenzinho deu um grande grito de alegria e atirou a taça de lagartas esmagadas pela janela da casa da árvore. "Está combinado!", exclamou. "Vá lá! Vamos!"

'Por isso enviei-os a todos para aqui, cada homem, mulher e criança da tribo dos Umpa-Lumpas. Foi fácil. Escondi-os em grandes caixotes com buracos, e chegaram todos em segurança. São operários maravilhosos. Agoram falam todos Inglês. Adoram dança e música. Estão sempre a inventar canções. Conto que ouçam bastante cantoria hoje de vez em quando. Devo avisar-vos, no entanto, de que são bastante travessos. Gostam de brincadeiras. Ainda usam o mesmo tipo de roupas que usavam na selva. Insistem nisso. Os homens, como podem ver por vocês mesmos do outro lado do rio, usam apenas camurça. As mulheres usam folhas, e as crianças não usam nada. As mulheres usam folhas novas todos os dias...'

'Papá!', gritou Veruca Salt (a rapariga que conseguia tudo o que queria). 'Papá! Quero um Umpa-Lumpa! Quero que me arranjes um Umpa-Lumpa! Quero um Umpa-Lumpa imediatamente! Quero levá-lo para casa comigo! Vá lá, Papá! Arranja-me um Umpa-Lumpa!'

'Vá lá, minha querida!', disse-lhe o pai, 'não devemos interromper o Sr. Wonka'.

'Mas eu quero um Umpa-Lumpa!', gritou Veruca.

'Está bem, Veruca, está bem. Mas não posso arranjar-to neste segundo. Por favor sê paciente. Garantirei que tens um antes de acabar o dia'.

'Augustus!', gritou a Sra. Gloop. 'Augustus, querido, acho que é melhor não fazeres isso'. Augustus Gloop, como podem ter adivinhado, tinha-se esgueirado silenciosamente para a beira do rio, e estava agora ajoelhado na margem do rio, levantando chocolate quente derretido para a boca tão depressa quanto podia.

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17. AUGUSTUS GLOOP SOBE PELO TUBO

 

Quando o Sr. Wonka se virou e viu o que Augustus Gloop estava a fazer, gritou: 'Oh, não! Por favor, Augustus, por favor! Imploro-te que não faças isso. O meu chocolate tem de ser intocado por mãos humanas!'

'Augustus!', chamou a Sra. Gloop. 'Não ouviste o que o homem disse? Afasta-te desse rio imediatamente!'

'Esta coisa é fabulosa!', disse Augustus, não fazendo o menor caso da sua mãe ou do Sr. Wonka. 'Caramba, preciso de um balde para bebê-lo como deve ser!'

'Augustus', exclamou o Sr. Wonka, saltitando e agitando a bengala no ar, 'tens de te afastar. Estás a sujar o meu chocolate!'

'Augustus!', gritou a Sra. Gloop.

'Augustus!', gritou o Sr. Gloop.

Mas Augustus estava surdo a tudo exceto ao chamamento do seu enorme estômago. Estava agora deitado ao comprido no chão com a cabeça esticada sobre o rio, lambendo o chocolate como um cão.

'Augustus!', gritou a Sra. Gloop. 'Vais pegar essa tua constipação desagradável a cerca de um milhão de pessoas por todo o país!'

'Tem cuidado, Augustus!', gritou o Sr. Gloop. 'Estás a debruçar-te demasiado!'

O Sr. Gloop estava absolutamente certo. Pois de repente houve um guincho, e depois um chape, e lá foi Augustus Gloop para dentro do rio, e num segundo tinha desaparecido sob a superfície castanha.

'Salve-o!', gritou a Sra. Gloop, ficando branca na cara, e abanando o guarda-chuva. 'Ele vai-se afogar! Não consegue nadar nem um metro! Salve-o! Salve-o!'

'Santo Deus, mulher', disse o Sr. Gloop, 'não vou mergulhar ali! Tenho o meu melhor fato vestido!'

A cara de Augustus Gloop voltou a subir à superfície, pintada de castanho com chocolate. 'Socorro! Socorro! Socorro!', berrava ele. 'Puxem-me!'

'Não fiques aí especado!', gritou a Sra. Gloop para o Sr. Gloop. 'Faz alguma coisa!'

'Eu estou a fazer alguma coisa!', disse o Sr. Gloop, que estava agora a tirar o casaco e a preparar-se para mergulhar para dentro do chocolate. Mas enquanto fazia isto, o desgraçado do rapaz era sugado cada vez para mais perto em direção à boca de um dos grandes tubos que estava suspenso para dentro do rio. Depois, de repente, a sucção poderosa apoderou-se completamente dele, e ele foi puxado para baixo da superfície e depois para a boca do tubo.

A multidão na margem do rio esperou de respiração suspensa para ver onde ele iria sair.

'Lá vai ele!', gritou alguém, apontando para cima. 

E, de facto, porque o tubo era feito de vidro, Augustus Gloop podia ser claramente visto a subir disparado dentro dele, de cabeça, como um torpedo.

'Socorro! Assassínio! Polícia!', gritou a Sra. Gloop. 'Augustus, volta imediatamente! Onde vais?'

'É de admirar', disse o Sr. Gloop, 'como aquele tubo é grande o suficiente para ele passar por ele'.

'Não é grande o suficiente!', disse Charlie Bucket. 'Oh céus, olhem! Ele está a abrandar!'

'Pois está!', disse o Avô Joe.

'Vai colar!', disse Charlie.

'Acho que vai!', disse o Avô Joe.

'Caramba, colou mesmo!', disse Charlie.

'Foi a barriga dele que o fez!', disse o Sr. Gloop.

'Ele bloqueou o tubo inteiro!', disse o Avô Joe.

'Partam o vidro!', gritou a Sra. Gloop, ainda a abanar o guarda-chuva. 'Augustus, sai daí imediatamente!'

Os observadores em baixo conseguiam ver o chocolare a mover-se em volta do rapaz no tubo, e conseguiam vê-lo a acumular atrás dele numa massa sólida, a empurrar contra o bloqueio. A pressão era tremenda. Alguma coisa tinha de ceder. Alguma coisa cedeu mesmo, e essa coisa foi Augustus. WHOOF! Lá subiu ele disparado outra vez como uma bala no cano de uma arma.

'Ele desapareceu!', gritou a Sra. Gloop. 'Onde é que aquele tubo vai dar? Rápido! Chamem os bombeiros!'

'Mantenha a calma!', gritou o Sr. Wonka. 'Mantenha a calma, minha cara senhora, mantenha a calma. Não há perigo! Nenhum perigo! O Augustus partiu numa pequena viagem, só isso. Uma pequena viagem muitíssimo interessante. Mas vai sair dela ótimo, espere para ver'.

'Como pode sair ótimo?', disse a Sra. Gloop rispidamente. 'Vai ser transformado em marshmallows em cinco segundos!'

'Impossível!', exclamou o Sr. Wonka. 'Impensável! Inconcebível! Absurdo! Jamais poderia ser transformado em marshmallows!'

'E porque não, posso perguntar?', gritou a Sra. Gloop.

'Porque esse tubo não chega nem perto disso!' Esse tubo - aquele que o Augustus subiu - conduz diretamente à sala onde faço um tipo delicioso de fudge com sabor a morango coberto de chocolate...'

'Então vai ser transformado em fudge com sabor a morango coberto de chocolate!', gritou a Sra. Gloop. 'O meu pobre Augustus! Vão vendê-lo à libra por todo o país amanhã de manhã!'

'Tens toda a razão', disse o Sr. Gloop.

'Eu sei que tenho razão', disse a Sra. Gloop.

'Não é caso para brincadeiras', disse o Sr. Gloop.

'O Sr. Wonka parece achar que sim!', gritou a Sra. Gloop. 'Olha para ele! Está a rebentar de riso! Como se atreve a rir assim quando o meu rapaz acabou de subir pelo tubo! Seu monstro!', guinchou, apontando o guarda-chuva para o Sr. Wonka como se fosse atropelá-lo. 'Acha que é uma brincadeira, é? Acha que sugar o meu rapaz assim para a Sala do Fudge é uma grande piada colossal?'

'Ele ficará perfeitamente seguro', disse o Sr. Wonka, dando ligeiras risadinhas.

'Será fudge de chocolate!', guinchou a Sra. Gloop.

'Nunca!', gritou o Sr. Wonka.

'Claro que será!', guinchou a Sra. Gloop.

'Não o permitiria!', exclamou o Sr. Wonka.

'E porque não?', guinchou a Sra. Gloop.

'Porque o sabor seria péssimo', disse o Sr. Wonka. 'Imagine! Gloop com sabor a Augustus coberto de chocolate! Ninguém o compraria'.

'Certamente que comprariam!', gritou o Sr. Gloop, indignado.

'Não quero pensar nisso!', guinchou a Sra. Gloop.

'Nem eu', disse o Sr. Wonka. 'E prometo-lhe, minha senhora, que o seu querido rapaz está perfeitamente seguro'.

'Se está perfeitamente seguro, então onde está?', disse a Sra. Gloop rispidamente. 'Leve-me a ele neste instante!'

O Sr. Wonka virou-se e estalou bruscamente os dedos, clique, clique, clique, três vezes. Imediatamente, apareceu um Umpa-Lumpa, como que de lado nenhum, e ficou ao lado dele.

O Umpa-Lumpa fez uma vénia e sorriu, mostrando lindos dentes brancos. A sua pele era branca-rosada, o cabelo comprido era castanho-dourado, e o topo da cabeça chegava pouco acima da altura do joelho do Sr. Wonka. Usava a habitual camurça pendurada sobre o ombro.

'Agora ouve-me!', disse o Sr. Wonka, olhando para baixo para o homem pequenino. 'Quero que leves o Sr. e a Sra. Gloop à Sala do Fudge e os ajudes a encontrar o filho, Augustus. Acabou de subir o tubo'.

O Umpa-Lumpa lançou um olhar à Sra. Gloop e explodiu em gargalhadas.

'Oh, está calado!, disse o Sr. Wonka. 'Controla-te! Domina-te! A Sra. Gloop não acha assim tanta piada!'

'Bem pode dizê-lo!, disse a Sra. Gloop.

'Vai direto para a Sala do Fudge', disse o Sr. Wonka ao Umpa-Lumpa, 'e quando lá chegares, pega num pau comprido e começa a remexer dentro do grande barril de misturar chocolate. Tenho quase a certeza que o encontrarás lá. Mas é melhor despachares-te! Vais ter de te apressar! Se o deixares no barril de chocolate muito tempo, é capaz de ser despejado para o fervedor de fudge, e isso seria mesmo um desastre, não seria? O meu fudge iria tornar-se completamente intragável!'

A Sra. Gloop soltou um guincho de fúria.

'Estou a brincar', disse o Sr. Wonka, rindo loucamente por trás da barba. 'Não falei a sério. Perdoe-me. Sinto muito. Adeus, Sra. Gloop! E Sr. Gloop! Adeus! Até logo...'

Enquanto Sr. e a Sra. Gloop e o seu minúsculo acompanhante partiam apressadamente, os cinco Umpa-Lumpas do outro lado do rio começaram a saltar e a dançar e a bater desvairadamente num número de pequenos tambores. 'Augustus Gloop!', entoaram. 'Augustus Gloop! Augustus Gloop! Augustus Gloop!'

'Avô!', exclamou Charlie. 'Ouve-os, Avô! O que estão eles a fazer?'

'Ssshh!', sussurrou o Avô Joe. 'Acho que vão cantar-nos uma canção!'

'Augustus Gloop!', entoaram os Umpa-Lumpas.

'Augustus Gloop! Augustus Gloop!

O grande palerma guloso!

Quanto tempo podíamos permitir que esta besta

Devorasse e engolisse, se alimentasse e banqueteasse

Com tudo o que queria?

Meu Deus! Simplesmente não poderia ser!

Por mais tempo que este porco possa viver,

Temos a certeza que nunca daria

Nem sequer a mais pequena diversão

Ou alegria a ninguém.

Então o que fazemos em casos

Como este, usamos a delicadeza,

E com cuidado pegamos no fedelho

E transformamo-lo em algo que

Nos dará grande prazer a todos -

Um boneco, por exemplo, ou uma bola,

Ou berlindes ou um cavalo de baloiço.

Mas este rapaz revoltante, claro,

Era tão indescritivelmente vil,

Tão guloso, malvado e infantil,

Que deixou um sabor nojento

Dentro das nossas bocas, e então prontamente

Escolhemos uma coisa que, venha o que vier,

Tiraria o sabor indecente.

'Vá lá!', gritámos. 'Chegou a hora

De o mandar disparado pelo tubo!

Ele tem de ir! Tem de ser!'

E muito em breve, ele vai ver

Dentro da sala para a qual foi

Que algumas coisas engraçadas se passam.

Mas não se alarmem, queridas crianças;

Augustus Gloop não será magoado,

Embora, claro, tenhamos de admitir

Que ele será bastante alterado.

Será bastante mudado do que foi,

Quando passar pela máquina do fudge:

Devagar, as rodas giram e giram,

Os dentes começam a moer e a triturar;

Cem facas cortam, cortam, cortam;

Juntamos algum açúcar, creme e especiaria;

Cozemo-lo por mais um minuto,

Até termos a certeza absoluta

Que toda a gula e todo o atrevimento

Se evaporaram de uma vez por todas.

Depois lá sai ele! E agora! Pela graça!

Aconteceu um milagre!

Este rapaz, que apenas um pouco antes

Por homens de costa a costa era odiado,

Este bruto guloso, este ouvido de piolho,

É adorado por gente em todo o lado!

Pois quem poderia odiar ou guardar rancor

Contra um pedaço de fudge com tanto sabor?'

'Eu disse-vos que eles adoram cantar!', exclamou o Sr. Wonka. 'Não são encantadores? Não são fascinantes? Mas não devem acreditar numa palavra do que disseram. É tudo um disparate, cada bocadinho!'

'Os Umpa-Lumpas estão mesmo a brincar, Avô?', perguntou Charlie.

'Claro que estão a brincar', respondeu o Avô Joe. 'Devem estar a brincar. Pelo menos, espero que estejam a brincar. Tu não?'

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18. PELO RIO DE CHOCOLATE ABAIXO

 

'Vamos lá!', gritou o Sr. Wonka. 'Despachem-se, todos! Sigam-me para a próxima sala! E por favor não se preocupem com o Augustus Gloop. Vai de certeza sair na lavagem. Saem sempre. Teremos de fazer a próxima parte da viagem de barco! Cá vem ele! Olhem!'

Um vapor erguia-se agora do grande rio de chocolate quente, e do vapor apareceu subitamente um fantástico barco cor-de-rosa. Era um grande barco a remos aberto com uma dianteira alta e uma traseira alta (como um barco viking de antigamente), e era de uma cor rosa tão brilhante, reluzente e cintilante que parecia ser todo feito de vidro cor-de-rosa vivo. Havia muitos remos de cada lado, e enquanto o barco se aproximava, os observadores na margem conseguiram ver que os remos estavam a ser puxados por montes de Umpa-Lumpas - pelo menos dez para cada remo.

'Este é o meu iate privado!', exclamou o Sr. Wonka, radiante de prazer. 'Fi-lo escavando um enorme doce cozido! Não é lindo? Veem como corta através do rio!'

O cintilante barco cor-de-rosa de doce cozido deslizou até à margem. Uma centena de Umpa-Lumpas descansaram sobre os remos e olharam para os visitantes. Depois, de repente, por alguma razão que só eles sabiam, desataram a rir às gargalhadas.

'O que tem tanta piada?', perguntou Violet Beauregarde.

'Oh, não te preocupes com eles!', exclamou o Sr. Wonka. 'Estão sempre a rir! Acham que tudo é uma piada colossal! Saltem todos para dentro do barco! Vá lá! Despachem-se!'

Assim que todos estavam lá dentro em segurança, os Umpa-Lumpas empurraram o barco para longe da margem e começaram a remar velozmente rio abaixo.

'Ei, aí! Mike Tevê!', gritou o Sr. Wonka. 'Por favor não lambas o barco com a língua! Só vai deixá-lo pegajoso!'

'Papá', disse Veruca Salt, 'quero um barco como este! Quero que me compres um grande barco de doce cozido cor-de-rosa exatamente como o do Sr. Wonka! E quero muitas Umpa-Lumpas para me transportarem, e quero um rio de chocolate e quero... quero...'

'Quer uma boa reprimenda', sussurrou o Avô Joe para o Charlie. O velhote estava sentado na traseira do barco e o pequeno Charlie Bucket estava mesmo ao lado dele. Charlie segurava firmemente a velha mão ossuda do avô. Estava num turbilhão de entusiasmo. Tudo o que tinha visto até agora - o grande rio de chocolate, a cascata, os enormes tubos de sucção, os prados de açúcar mentolado, os Umpa-Lumpas, o lindo barco cor-de-rosa, e acima de tudo, o próprio Sr. Wonka - tinha sido tão espantoso que ele começou a perguntar-se se poderiam restar mais espantos. Onde iam agora? O que iam ver? E o que diabo ia acontecer na sala seguinte?

'Não é maravilhoso?', disse o Avô Joe, sorrindo para o Charlie.

Charlie acenou com a cabeça e sorriu para o velhote.

De repente, o Sr. Wonka, que estava sentado do outro lado de Charlie, esticou a mão para o fundo do barco, pegou numa grande caneca, mergulhou-a no rio, encheu-a de chocolate, e entregou-a a Charlie. 'Bebe isto', disse. 'Vai fazer-te bem! Pareces morto de fome!'

Depois o Sr. Wonka encheu uma segunda caneca e deu-a ao Avô Joe. 'Você também', disse. 'Parece um esqueleto! Qual é o problema? Não tem havido nada para comer em vossa casa ultimamente?'

'Não muito', disse o Avô Joe.

Charlie levou a caneca aos lábios, e enquanto o chocolate quente cremoso lhe escorria pela garganta até ao estômago vazio, o seu corpo inteiro da cabeça aos pés começou a formigar de prazer, e uma sensação de felicidade intensa espalhou-se por ele.

'Gostas?', perguntou o Sr. Wonka.

'Oh, é maravilhoso!', disse Charlie.

'O chocolate mais cremoso e gostoso que já provei!', disse o Avô Joe, fazendo estalar os lábios.

'É porque foi misturado por cascata', disse-lhe o Sr. Wonka.

O barco acelerou pelo rio. O rio estava a ficar mais estreito. Havia uma espécie de túnel escuro adiante - um grande túnel redondo que parecia um cano enorme - e o rio corria direto para dentro do túnel. E o barco também! 'Continuem a remar!', gritou o Sr. Wonka, levantando-se de um salto e abanando a bengala no ar. 'Toda a força à vante!' E com os Umpa-Lumpas a remarem mais depressa do que nunca, o barco disparou para o túnel escuro como breu, e todos os passageiros gritaram de entusiasmo.

'Como é que eles conseguem ver por onde vão?', gritou Violet Beauregarde na escuridão.

'Não há como saber para onde vão!', gritou o Sr. Wonka, rindo aos berros.

'Não há maneira possível de saber

Em que direção eles estão a ir!

Não há como saber para onde estão a remar,

Ou em que direção o rio está a correr!

Não se vê nem um ponto de luz,

Por isso o perigo deve estar a crescer,

Pois os remadores continuam a remar,

E certamente não estão a mostrar

Nenhuns sinais de que vão abrandar...'

'Perdeu o juízo!', gritou um dos pais, aterrado, e os outros pais juntaram-se ao coro de gritos assustados. 'É louco!', gritaram.

'É doido!'

'É chanfrado!'

'É pírulas!'

'É maníaco!'

'É lunático!'

'É pirado!'

'É lelé!'

'É choné!'

'Não, não é!', gritou o Avô Joe.

'Liguem as luzes!', gritou o Sr. Wonka. E de repente, as luzes acenderam-se e o túnel inteiro estava brilhantemente iluminado, e Charlie conseguiu ver que estavam realmente dentro de um cano gigantesco, e as paredes curvadas para cima do cano eram de um branco-puro e estavam imaculadamente limpas. O rio de chocolate corria muito depressa dentro do cano, e os Umpa-Lumpas remavam todos como loucos, e o barco disparava a uma velocidade vertiginosa. O Sr. Wonka saltitava na traseira do barco e gritava aos remadores para remarem ainda cada vez mais depressa. Parecia adorar a sensação de passar a zunir através de um túnel branco num barco cor-de-rosa num rio de chocolate, e batia palmas e ria e estava sempre a olhar de relance para os passageiros para ver se estavam a gostar tanto como ele.

'Olha, Avô!', exclamou Charlie. 'Há uma porta na parede!' Era uma porta verde e estava embutida na parede do túnel logo acima do nível do rio. Enquanto passavam por ela como um raio houve tempo suficiente para ler a escrita na porta: ARMAZÉM NÚMERO 54, dizia. TODOS OS CREMES - CREME DE LEITE, CREME DE CHANTILLY, CREME VIOLETA, CREME DE CAFÉ, CREME DE ANANÁS, CREME DE BAUNILHA, E CREME DE CABELO.

'Creme de cabelo?', exclamou Mike Tevê. 'Não usa creme de cabelo?'

'Continuem a remar!', gritou o Sr. Wonka. 'Não há tempo para responder a perguntas tontas!'

Passaram rapidamente por uma porta preta. ARMAZÉM NÚMERO 71, dizia nela. CHICOTES - TODOS OS TAMANHOS E FEITIOS.

'Chicotes!', exclamou Veruca Salt. 'Para que diabo usa chicotes?'

'Para bater o creme, claro', disse o Sr. Wonka. 'Como se pode bater o creme sem chicotes? Creme de chantilly não é creme de chantilly de todo a menos que tenha sido batido com chicotes. Tal como um ovo estrelado não é um ovo estrelado a menos que tenha vindo do espaço! Continuem a remar, por favor!'

Passaram uma porta amarela na qual dizia: ARMAZÉM NÚMERO 77 - TODOS OS GRÃOS, GRÃOS DE CACAU, GRÃOS DE CAFÉ, GRÃOS DE GOMA, E GRÃOS MIÚDOS.

'Grãos miúdos?', exclamou Violet Beauregarde.

'Tu própria és um!', disse o Sr. Wonka. 'Não há tempo para discutir! Continuem, continuem!' Mas cinco segundos depois, quando uma porta vermelho-vivo surgiu adiante, ele abanou subitamente a bengala com topo de ouro no ar e gritou: 'Parem o barco!'

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19 A SALA DE INVENÇÕES - REBUÇADOS ETERNOS E CARAMELO PARA CABELO

 

Quando o Sr. Wonka gritou 'Parem o barco!', os Umpa-Lumpas enfiaram os remos no rio e fizeram recuar a água furiosamente. O barco parou.

Os Umpa-Lumpas guiaram o barco para a beira da porta vermelha. Na porta dizia, SALA DE INVENÇÕES - PRIVADO - NÃO ENTRAR. O Sr. Wonka tirou uma chave do bolso, inclinou-se sobre o lado do barco, e pôs a chave na fechadura.

'Esta é a sala mais importante da fábrica inteira!', disse. 'Todas as minhas novas invenções mais secretas estão a cozinhar e a cozer aqui. O velho Fickelgruber daria os dentes da frente só para poder entrar durante três minutos! Assim como o Prodnose e o Slugworth e todos os outros fabricantes de chocolate horríveis! Mas agora, ouçam-me! Não quero brincadeiras quando entrarem! Nada de tocar, nada de mexer, e nada de provar! Está combinado?'

'Sim, sim!', exclamaram as crianças. 'Não vamos tocar em nada!'

'Até agora', disse o Sr. Wonka, 'mais ninguém, nem sequer um Umpa-Lumpa, foi autorizado a entrar aqui!' Abriu a porta e saiu do barco para dentro da sala. As quatro crianças e os pais treparam todos atrás dele.

'Não toquem!', gritou o Sr. Wonka. 'E não derrubem nada!'

Charlie Bucket olhou em volta da sala gigantesca em que agora se encontrava. O sítio era como a cozinha de uma bruxa! A toda a volta dele, panelas de metal negro ferviam e borbulhavam em enormes fogões, e chaleiras assobiavam e tachos chiavam, e estranhas máquinas de ferro retiniam e crepitavam, e havia canos a correr por todo o teto e paredes, e o sítio inteiro estava cheio de fumo e vapor e deliciosos cheiros ricos.

O próprio Sr. Wonka tinha de repente ficado mais entusiasmado do que o habitual, e todos podiam ver que esta era a sala que ele mais adorava. Saltitava entre as caçarolas e as máquinas como uma criança entre os presentes de Natal, sem saber para que coisa olhar primeiro. Levantou a tampa de uma enorme panela e cheirou; depois correu e mergulhou um dedo num barril de uma substância amarela pegajosa e provou; depois saltitou até uma das máquinas e rodou meia dúzia de botões nesta e naquela direção; depois espreitou ansiosamente pela porta de vidro de um forno gigantesco, esfregando as mãos e rindo com encanto do que viu lá dentro. Depois correu para outra máquina, uma pequena coisa brilhante que não parava de fazer phut-phut-phut-phut-phut, e de cada vez que fazia phut, um grande berlinde verde caía para dentro de um cesto no chão. Pelo menos parecia um berlinde.

'Rebuçados Eternos!', exclamou o Sr. Wonka com orgulho. 'São completamente novos! Estou a inventá-los para crianças que recebem uma semanada muito pequena. Podem pôr um Rebuçado Eterno na boca e podem chupá-lo e chupá-lo e chupá-lo e chupá-lo e nunca ficará mais pequeno!' 

'É tipo pastilha!', exclamou Violet Beauregarde.

'Não é tipo pastilha', disse o Sr. Wonka. 'Pastilha é para mastigar, e se tentasses mastigar um destes Rebuçados aqui partias os dentes! E nunca ficam mais pequenos! Nunca desaparecem! NUNCA! Pelo menos acho que não. Um deles está a ser testado neste preciso momento na Sala de Testes ao lado. Um Umpa-Lumpa está a chupá-lo. Está a chupá-lo há já quase um ano sem parar, e continua tão bom como sempre!'

'Agora, aqui', continuou o Sr. Wonka, saltitando entusiasmado através da sala para a parede oposta, 'aqui estou a inventar uma linha completamente nova de caramelos!' Parou ao lado de uma grande caçarola. A caçarola estava cheia de um espesso e pegajoso melaço purpúreo, a ferver e a borbulhar. Em bicos de pés, Charlie conseguiu ver um pouco lá para dentro.

'É Caramelo para Cabelo!', exclamou o Sr. Wonka. 'Come-se só um bocadinho disso, e exatamente em meia hora uma linda cabeleira nova em folha, espessa e sedosa, vai começar a crescer no cimo de toda a cabeça! E um bigode! E uma barba!'

'Uma barba!', exclamou Veruca Salt. 'Quem quer uma barba, por amor de Deus?'

'Ficava-te muito bem', disse o Sr. Wonka, 'mas infelizmente a mistura ainda não está totalmente certa. Está demasiado forte. Funciona bem demais. Experimentei-a num Umpa-Lumpa ontem na Sala de Testes e, de imediato, uma enorme barba preta começou a sair-lhe disparada do queixo, e a barba cresceu tão depressa que em pouco tempo arrastava-se por todo o chão numa carpete espessa e peluda. Crescia mais depressa do que podíamos cortá-la! No fim tivemos de usar um corta-relva para a manter na ordem! Mas vou acertar na mistura em breve! E quando acertar, já não haverá desculpa para meninos e meninas andarem por aí de cabeças carecas!'

'Mas, Sr. Wonka', disse Mike Tevê, 'meninos e meninas nunca andam por aí de...'

'Não discutas, minha querida criança, por favor não discutas!', exclamou o Sr. Wonka. 'É uma perda de tempo precioso! Agora, aqui, se andarem todos nesta direção, vou mostrar-vos algo que de estou tremendamente orgulhoso. Oh, tenham cuidado! Não derrubem nada! Para trás!'

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20 A GRANDE MÁQUINA DE PASTILHAS

 

O Sr. Wonka conduziu o grupo a uma gigantesca máquina que estava no centro da Sala das Invenções. Era um monte de metal reluzente que se elevava alto sobre as crianças e os pais. Do topo brotavam centenas e centenas de finos tubos de vidro, e os tubos de vidro enrolavam-se todos para baixo e juntavam-se num monte e pendiam suspensos sobre uma enorme tina redonda tão grande como uma banheira.

"Cá vamos nós!", gritou o Sr. Wonka, e premiu três botões diferentes no lado da máquina. Um segundo depois, um barulho possante veio do interior, e a máquina inteira começou a tremer assustadoramente, e dela começou a sair com um silvo vapor por toda a parte, e então, de repente, os observadores repararam que uma substância fluida jorrava pelos interiores de todas as centenas de tubinhos de vidro e esguichavam para a grande tina abaixo. E em cada tubo a substância fluida era de uma cor diferente, de modo que todas as cores do arco-íris (e também muitas outras) esguicharam e espirraram para dentro da tina. Era uma visão encantadora. E quando a tina estava quase cheia, o Sr. Wonka premiu outro botão, e de imediato a substância fluida desapareceu, e um zumbido, um zunido tomou o seu lugar; e então um zumbidor gigante começou a zumbir dentro da tina enorme, misturando todos os líquidos de cores diferentes como um refrigerante de gelado. Gradualmente, a mistura começou a espumar. Tornou-se cada vez mais espumosa, e mudou de branco para azul para verde para castanho para amarelo, depois de novo para azul.

'Observem!'', disse o Sr. Wonka.

Clique, fez a máquina, e o zumbidor parou de zumbir. E agora veio uma espécie de som de sucção, e, muito rapidamente, toda a mistura azul espumosa na bacia enorme foi sugada de volta para o estômago da máquina. Houve um momento de silêncio. Depois, ouviram-se uns barulhos estranhos. Depois, silêncio outra vez. Depois, de repente, a máquina soltou um monstruoso rangido possante, e, no mesmo momento, uma minúscula gaveta (não maior do que a gaveta de uma slot machine) saiu do lado da máquina, e dentro da gaveta encontrava-se algo tão pequeno e fino e cinzento que toda a gente achou que devia ser um engano. A coisa parecia uma pequena tira de cartão cinzento.

As crianças e os pais olharam para a tirinha cinzenta na gaveta.

'Quer dizer que é só isso?', disse Mike Tevê, indignado.

'É só isso', respondeu o Sr. Wonka, fitando o resultado com orgulho. 'Não sabes o que é?'

Houve uma pausa. Então, de repente, Violet Beauregarde, a rapariga tonta que mascava pastilha, soltou um grito de entusiasmo. 'Pela pastilha, é pastilha!', guinchou. 'É uma pastilha elástica!'

'Tens razão!', exclamou o Sr. Wonka, dando uma palmada com força nas costas de Violet. 'É uma pastilha elástica! É a mais espantosa e fabulosa e sensacional pastilha do mundo!'

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21 ADEUS, VIOLET

 

'Esta pastilha', continuou o Sr. Wonka, 'é a minha última, maior, mais fascinante invenção! É uma refeição de pastilha elástica! É... é... é... Aquela tirinha minúscula de pastilha ali é um jantar inteiro de três pratos, sozinha!

'Que tipo de disparate é este?', disse um dos pais.

'Meu caro senhor!', exclamou o Sr. Wonka, 'quando começar a vender esta pastilha nas lojas, vai mudar tudo! Será o fim de todas as cozinhas e de todos os cozinhados! Não haverá mais compras para fazer! Não se comprará mais carne e artigos de mercearia! Não haverá garfos e facas às refeições! Nada de pratos! Nada de lavar! Sem lixo! Sem confusão! Só uma tirinha da pastilha mágica do Wonka - e é tudo o que alguma vez precisará ao pequeno-almoço, almoço e jantar! Acontece que este pedaço de pastilha que acabei de fazer é sopa de tomate, rosbife e tarte de mirtilo, mas pode ter quase tudo o que quiser!'

'Como assim, é sopa de tomate, rosbife e tarte de mirtilo?', disse Violet Beauregarde.

'Se começasses a mastigá-la', disse o Sr. Wonka, 'é exatamente o que terias no menu. É absolutamente espantoso! Consegues mesmo sentir a comida a descer a garganta e a entrar na barriga! E consegues sentir o sabor perfeitamente! E enche-te! Satisfaz-te! É formidável!'

'É totalmente impossível', disse Veruca Salt.

'Desde que seja pastilha', gritou Violet Beauregarde, 'desde que seja um pedaço de pastilha e eu possa mastigá-la, então é para mim!' E rapidamente tirou a sua própria pastilha de recorde mundial da boca e colou-a atrás da orelha esquerda. 'Vá lá, Sr. Wonka', disse ela, 'passe para cá esta sua pastilha mágica e vamos ver se a coisa funciona'.

'Ora, Violet', disse a Sra. Beauregarde, a mãe, 'não façamos nenhuma tolice, Violet'.

'Eu quero a pastilha!', disse Violet obstinadamente. 'Qual é a tolice?'

'Preferia que não a levasses', disse-lhe o Sr. Wonka delicadamente. 'Sabes, ainda não a acertei. Ainda há uma ou duas coisas...'

'Oh, isso que vá para o diabo!', disse Violet, e, de repente, antes que o Sr. Wonka pudesse travá-la, esticou uma mão gorda e arrancou a pastilha da pequena gaveta e enfiou-a na boca. De imediato, os seus enormes maxilares bem treinados começaram a mascá-la como uma tenaz.

'Não!', disse o Sr. Wonka.

'Fabuloso!', gritou Violet. 'É sopa de tomate! É quente e cremosa e deliciosa! Consigo senti-la a escorrer pela garganta!'

'Para!', disse o Sr. Wonka. 'A pastilha ainda não está pronta! Não está certa!'

'Claro que está certa!', disse Violet. 'Está a funcionar lindamente! Céus, que sopa fantástica!'

'Cospe-a!', disse o Sr. Wonka.

'Está a mudar!', gritou Violet, a mastigar e a sorrir ao mesmo tempo. 'Vem aí o segundo prato! É rosbife! É tenro e suculento! Caramba, que sabor! A batata assada também é maravilhosa! Tem a pele estaladiça e está cheia de manteiga por dentro!'

'Mas que interessante, Violet', disse a Sra. Beauregarde. 'És uma menina inteligente'.

'Continua a mastigar, querida!', disse o Sr. Beauregarde. 'Não pares de mastigar! Este é um grande dia para os Beauregardes! A nossa menina é a primeira pessoa do mundo a ter uma refeição de pastilha elástica!'

Todos observavam Violet Beuregarde enquanto ela estava ali a mastigar esta extraordinária pastilha. O pequeno Charlie Bucket olhava para ela absolutamente fascinado, observando os seus enormes lábios flexíveis enquanto comprimiam e descomprimiam com o mastigar, e o Avô Joe estava ao seu lado, a olhar de boca aberta para a rapariga. O Sr. Wonka contorcia as mãos e dizia: 'Não, não, não, não, não! Não está pronta para comer! Não está certa! Não deves fazê-lo!'

'Tarte de mirtilo com chantilly!', gritou Violet. 'Cá vem ela! Céus, é perfeita! É linda! É... exatamente como se estivesse a engoli-la! É como se estivesse a mastigar e a engolir grandes colheradas da tarte de mirtilo mais maravilhosa do mundo!'

'Céus, rapariga!', guinchou a Sra. Beauregarde de repente, fitando Violet, 'que está a acontecer ao teu nariz? 

'Oh, está calada, mãe, e deixa-me acabar!', disse Violet.

'Está a ficar azul!', gritou a Sra. Beauregarde. 'O teu nariz está a ficar azul como um mirtilo!'

'A tua mãe tem razão!', gritou a Sra. Beauregarde. 'O teu nariz inteiro ficou púrpura!'

'Como assim?', disse Violet, ainda a mastigar.

'As tuas bochechas!', gritou a Sra. Beauregarde. 'Também estão a ficar azuis! O teu queixo também! A tua cara toda está a ficar azul!'

'Cospe essa pastilha imediatamente!', ordenou o Sr. Beauregarde.

'Misericórdia! Salve-nos!', gritou a Sra. Beauregarde. 'A rapariga está a ficar azul e roxa em todo o lado! Até o cabelo está a mudar de cor! Violet, estás a ficar violeta, Violet! O que te está a acontecer?'

'Eu disse-vos que ainda não tinha acertado totalmente', suspirou o Sr. Wonka, abanando a cabeça com tristeza.

'Isso vejo eu!', exclamou a Sra. Beauregarde. 'Olhe para a rapariga agora!'

Estavam todos a olhar para a Violet. E que visão terrível e peculiar ela era! A cara e as mãos e as pernas e o pescoço, na verdade, a pele por todo o corpo, assim como o grande cabelo encaracolado, tinham ficado de um azul arroxeado brilhante, da cor de sumo de mirtilo!

'Corre sempre mal quando chegamos à sobremesa', suspirou o Sr. Wonka. 'É a tarte de mirtilo que faz isto. Mas um dia vou acertar, esperem para ver'.

'Violet!', gritou a Sra. Beauregarde, 'estás a inchar!'

'Sinto-me enjoada', disse Violet.

'Estás a inchar!', gritou a Sra. Beauregarde de novo.

'Sinto-me extremamente peculiar!', arquejou Violet.

'Não me surpreende!', disse o Sr. Beauregarde.

'Céus, rapariga!', guinchou a Sra. Beauregarde. 'Estás a encher como um balão!'

'Como um mirtilo', disse o Sr. Wonka.

'Chame um médico!', berrou o Sr. Beauregarde.

'Espete-a com um alfinete!', disse um dos outros pais.

'Salve-a!', gritou a Sra. Beauregarde, torcendo as mãos.

Mas não havia como salvá-la agora. O corpo dela inchava e mudava de forma a um ritmo tal que dentro de um minuto transformara-se em nada menos do que uma enorme bola azul redonda - um mirtilo gigantesco, na verdade - e tudo o que restava da própria Violet Beauregarde era um par minúsculo de pernas e um par minúsculo de braços a saírem do grande fruto redondo e da cabecinha no topo.

'Acontece sempre assim', suspirou o Sr. Wonka. 'Experimentei-a vinte vezes na Sala de Testes em vinte Umpa-Lumpas, e cada um deles acabou como um mirtilo. É extremamente irritante. Não consigo compreender.'

'Mas não quero um mirtilo como filha!', gritou a Sra. Beauregarde. 'Ponha-a de novo como era neste instante!'

O Sr. Wonka estalou os dedos, e dez Umpa-Lumpas apareceram imediatamente ao seu lado.

'Rolem a Menina Beauregarde para dentro do barco', disse-lhes, 'e levem-na de imediato para a Sala de Fazer Sumo'.

'A Sala de Fazer Sumo?', exclamou a Sra. Beauregarde. 'O que lhe vão fazer lá?'

'Espremê-la', disse o Sr. Wonka. 'Temos de espremer o sumo dela imediatamente. Depois disso, teremos de ver como ela sai. Mas não se preocupe, minha querida Sra. Beauregarde. Vamos repará-la nem que seja a última coisa que façamos. Sinto muito por tudo, sinto mesmo...'

Os dez Umpa-Lumpas já rolavam o enorme mirtilo pelo chão da Sala de Invenções em direção à porta que conduzia ao rio de chocolate onde o barco esperava. O Sr. e a Sra. Beauregarde apressaram-se atrás deles. O resto do grupo, incluindo o pequeno Charlie Bucket e o Avô Joe, ficou absolutamente quieto e viu-os partir.

'Escuta!', sussurrou Charlie. 'Escuta, Avô! Os Umpa-Lumpas no barco lá fora estão a começar a cantar!'

As vozes, uma centena delas a cantar juntas, entraram alto e bom som na sala:

'Caros amigos, todos concordamos certamente

Que não há quase nada pior para ver

Que uma vadiazinha repulsiva

Que está sempre a mascar pastilha.

(É quase tão mau como aqueles

Que metem o dedo no nariz.)

Então por favor acreditam em nós quando dizemos

Que mascar pastilha nunca compensará;

Este hábito desagradável vai mandar

O mastigador para um desagradável fim.

Algum de vocês alguma vez conheceu

Uma pessoa chamada Menina Bigelow?

Esta mulher pavorosa não via mal

Em mascar, mascar o dia todo.

Mascava enquanto tomava banho na banheira,

Mascava enquanto dançava na discoteca,

Mascava na igreja e no autocarro;

Era mesmo bastante ridículo!

E quando não conseguia encontrar a pastilha,

Mastigava o linóleo,

Ou qualquer coisa que estivesse por perto...

Um par de botas, a orelha do carteiro,

Ou a roupa interior das outras pessoas,

E uma vez mastigou o nariz do namorado.

Continuou a mascar até que, por fim,

Os seus músculos de mascar ficaram tão vastos

Que da sua cara o queixo gigante

Estava espetado tal como um violino.

Durante anos e anos ela mascou,

Consumindo cinquenta pedaços por dia,

Até que uma noite de verão, infelizmente,

Aconteceu um assunto horrendo.

A Menina Bigelow foi tarde para a cama,

Durante meia hora ficou deitada a ler,

Mascando e mascando o tempo todo,

Como um crocodilo a corda.

Por fim, guardou a pastilha

Numa pequena travessa especial,

E recostou-se e foi dormir...

(Conseguiu-o contando ovelhas).

Mas agora, que estranho! Embora dormisse,

Aqueles seus enormes maxilares continuavam ainda

A mascar, a mascar durante a noite,

Mesmo sem nada lá para trincar.

Estavam, sabem, num ritmo tal

Que decididamente tinham de mexer.

E muito sinistro era ouvir

Na escuridão negra como pez, alto e bom som,

A bocarra desta mulher adormecida

A abrir e a fechar, snap-snap-snap!

Cada vez mais depressa, zás-trás-pás,

O barulho continuava, não parava.

Até que por fim os maxilares decidem

Fazer uma pausa e abrir bem,

E com a mais tremenda trinca,

Morderam a língua da mulher em duas.

A partir de então, só de mascar pastilha, 

A Menina Bigelow foi sempre burra,

E passou a vida fechada num

Nojento sanatório.

E é por isso que nos esforçaremos tanto

Para salvar a Menina Violet Beauregarde

De sofrer um destino igual.

Ainda é muito nova. Não é tarde demais,

Desde que ela sobreviva à cura.

Esperemos que sim. Não podemos ter a certeza.'

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22 AO LONGO DO CORREDOR

 

'Bem, bem, bem', suspirou o Sr. Willy Wonka, 'foram-se duas crianças marotas. Restam três crianças boazinhas. Acho que é melhor sairmos desta sala rapidamente antes que percamos mais alguém!'

'Mas, Sr. Wonka', disse Charlie Bucket ansiosamente, 'a Violet Beauregarde alguma vez voltará a ficar bem ou será sempre um mirtilo?'

'Vão tirar-lhe o sumo num instantinho!', declarou o Sr. Wonka. 'Vão rolá-la para a máquina de tirar sumo, e vai sair fina como um apito!'

'Mas ainda vai ser azul em todo lado?', perguntou Charlie.

'Vai ser roxa!', exclamou o Sr. Wonka. 'Um belo roxo vivo dos pés à cabeça! Mas aí tens! É isso que vem de mastigar pastilha nojenta o dia todo!'

'Se acha que pastilha é tão nojenta', disse Mike Tevê, 'então porque a faz na sua fábrica?'

'Gostaria que não murmurasses', disse o Sr. Wonka. 'Não consigo ouvir uma palavra do que estás a dizer. Vamos! Vamos lá! Despachem-se! Sigam-me! Vamos para os corredores outra vez!' E assim dizendo, o Sr. Wonka correu para o outro lado da Sala de Invenções e saiu por uma portinha secreta escondida atrás de muitos canos e fogões. As três crianças restantes - Veruca Salt, Mike Tevê e Charlie Bucket - junto com os cinco adultos restantes, seguiram atrás dele.

Charlie Bucket viu que estavam de novo num daqueles longos corredores cor-de-rosa com muitos outros corredores cor-de-rosa a dar para fora dele. O Sr. Wonka corria à frente, virando à esquerda e à direita e à direita e à esquerda, e o Avô Joe dizia: 'Segura bem a minha mão, Charlie. Seria terrível perderes-te aqui.'

O Sr. Wonka dizia: 'Não há tempo para mais mandriices! Nunca chegaremos a lado nenhum ao ritmo que temos ido!' E apressou-se em frente, pelos intermináveis corredores cor-de-rosa, com a cartola preta empoleirada no topo da cabeça e a cauda do casaco de veludo cor de ameixa a voar atrás dele como uma bandeira ao vento.

Passaram uma porta na parede. 'Não há tempo para entrar!', gritou o Sr. Wonka. 'Continuem! Continuem!'

Passaram outra porta, depois outra e mais outra. Havia agora portas a cada vinte passos ou mais ao longo do corredor, e todas tinham algo escrito nelas, e estranhos tinidos vinham de trás de várias delas, e cheiros deliciosos vinham a flutuar através das fechaduras, e às vezes pequenos jatos de vapor colorido disparavam das fendas por baixo.

O Avô Joe e Charlie estavam meio a correr e meio a andar para acompanhar o Sr. Wonka, mas conseguiram ler o que dizia em bastantes portas enquanto passavam apressadamente. ALMOFADAS COMESTÍVEIS DE MARSHMALLOW, dizia numa.

'As almofadas de marshmallow são fantásticas!', gritou o Sr. Wonka ao passar a correr. 'Vão ser a grande moda quando eu as meter nas lojas! Mas não há tempo para entrar! Não há tempo para entrar!'

PAPEL DE PAREDE DE LAMBER PARA QUARTOS DE CRIANÇA, dizia na porta seguinte.

'Uma coisa fantástica, o papel de parede de lamber!', exclamou o Sr. Wonka, passando apressadamente. 'Tem imagens de frutas - bananas, maçãs, laranjas, uvas, ananases, morangos, e snozebagas...'

'Snozebagas?', disse Mike Tevê.

'Não interrompas!', disse o Sr. Wonka. 'O papel de parede tem imagens destas frutas todas estampadas, e quando lambes a imagem de uma banana, sabe a banana. Quando lambes um morango, sabe a morango. E quando lambes uma snozebaga, sabe exatamente a snozebaga...'

'Mas a que sabe uma snozebaga?'

'Estás a murmurar outra vez', disse o Sr. Wonka. 'Fala mais alto da próxima vez. Vamos continuar! Despachem-se!'

GELADOS QUENTES PARA DIAS FRIOS, dizia na porta seguinte.

'Extremamente úteis no inverno', disse o Sr. Wonka, continuando apressadamente. 'Gelado quente aquece-vos muito no tempo gelado. Também faço cubos de gelo quentes para pôr em bebidas quentes. Cubos de gelo quentes tornam as bebidas quentes mais quentes.'

VACAS QUE DÃO LEITE ACHOCOLATADO, dizia na porta seguinte.

'Ah, minhas vaquinhas bonitas!', exclamou o Sr. Wonka. 'Como eu adoro essas vacas!'

'Mas porque não podemos vê-las?', perguntou Veruca Salt. 'Porque temos de passar a correr por todas estas belas salas?'

'Pararemos no devido tempo!', entoou o Sr. Wonka. 'Não sejas tão loucamente impaciente!'

BEBIDAS ELEVANTES, dizia na porta seguinte.

'Oh, essas são fabulosas!', exclamou o Sr. Wonka. 'Enchem-vos de bolhas, e as bolhas estão cheias de um tiopo de gás especial, e este gás é tão tremendamente elevante que vos levanta do chão tal como um balão, e sobem até a cabeça bater no teto - e lá ficam.'

'Mas como se volta a descer?', perguntou o pequeno Charlie.

'Arrotas, claro', disse o Sr. Wonka. 'Dás um grande, longo e rude arroto, e sobe o gás e desces tu! Mas não a bebam ao ar livre! Não há como saber até que altura serão transportados se fizerem isso. Dei um pouco a um velho Umpa-Lumpa uma vez no quintal das traseiras e ele subiu e subiu e desapareceu de vista! Foi muito triste. Nunca voltei a vê-lo.'

'Ele devia ter arrotado', disse Charlie.

'Claro que devia ter arrotado', disse o Sr. Wonka. 'Eu fiquei lá a gritar: "Arrota, seu burro tonto, arrota, ou nunca voltarás a descer!" Mas ele não o fez ou não conseguiu ou recusou-se, não sei qual. Se calhar era demasiado educado. Já deve estar na lua.'

Na porta seguinte, dizia DOCES QUADRADOS QUE PARECEM REDONDOS. 

'Esperem!', exclamou o Sr. Wonka, parando de repente. 'Estou muito orgulhoso dos meus doces quadrados que parecem redondos. Vamos dar uma espreitadela.'

 

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23 DOCES QUADRADOS QUE PARECEM REDONDOS

 

Todos pararam e amontoaram-se para a porta. A metade de cima da porta era feita de vidro. O Avô Joe levantou Charlie para ele poder ver melhor, e olhando para dentro, Charlie viu uma mesa comprida, e em cima da mesa havia fileiras e fileiras de pequenos doces brancos quadrados. Os doces pareciam-se muito com torrões de açúcar quadrados - exceto que cada um deles tinha uma carinha cor-de-rosa engraçada pintada num lado. Na ponta da mesa, um número de Umpa-Lumpas pintavam atarefadamente mais caras em mais doces.

'Aí tem!', exclamou o Sr. Wonka. 'Doces quadrados que parecem redondos!'

'A mim não me parecem redondos', disse Mike Tevê.

'Parecem quadrados', disse Veruca Salt. 'Parecem completamente quadrados.'

'Mas são quadrados', disse o Sr. Wonka. 'Nunca disse que não eram.'

'Disse que eram redondos!', disse Veruca Salt.

'Nunca disse nada do género', disse o Sr. Wonka. 'Disse que pareciam redondos'.

'Mas não parecem redondos!', disse Veruca Salt. 'Parecem quadrados!'

'Parecem redondos', insistiu o Sr. Wonka. 

'Certamente que não parecem redondos!', exclamou Veruca Salt.

'Veruca, querida', disse a Sra. Salt, 'não ligues ao Sr. Wonka! Ele está a mentir-te!'

'Meu caro peixe velho', disse o Sr. Wonka, 'vá cozer a cabeça!'

'Como se atreve a falar assim comigo?', gritou a Sra. Salt.

'Oh, cale-se, por favor', disse o Sr. Wonka. 'Agora vejam isto!'

Tirou uma chave do bolso, e destrancou a porta, e abriu-a... e de repente, ao som da porta a abrir-se, todas as fileiras de docinhos quadrados olharam rapidamente em volta para ver quem estava a entrar. As caras minúsculas viraram-se mesmo na direção da porta e fitaram o Sr. Wonka.

'Aí têm!', exclamou ele triunfantemente. 'Estão a olhar em volta! Não há discussão! São doces quadrados que olham em volta!'

'Caramba, ele tem razão', disse o Avô Joe.

'Vá lá!', disse o Sr. Wonka, recomeçando a andar pelo corredor. 'Vamos continuar! Não podemos perder tempo!'

UÍSQUE DE MANTEIGA E GIN DE MANTEIGA, dizia na porta seguinte que passaram.

'Isso já parece um pouco mais interessante', disse o Sr. Salt, o pai de Veruca.

'Uma coisa gloriosa!', disse o Sr. Wonka. 'Os Umpa-Lumpas todos adoram-no. Deixa-os alegres. Ouçam! Podem ouvi-los lá dentro agora, a divertirem-se à brava. Guinchos de riso e trechos de canções podiam ouvir-se vindos de trás da porta fechada.

'Estão bêbados que nem um cacho', disse o Sr. Wonka. 'Estão a beber uísque de manteiga com refrigerante. É do que mais gostam. Gin de manteiga tónico também é muito popular. Sigam-me, por favor! Não podemos continuar a parar assim.' Virou à esquerda. Virou à direita. Chegaram a um longo lanço de escadas. O Sr. deslizou pelo corrimão. As três crianças fizeram o mesmo. A Sra. Salt e a Sra. Tevê, as duas únicas mulheres que agora restavam no grupo, estavam a ficar muito ofegantes. A Sra. Salt era uma grande criatura gorda com pernas curtas, e soprava como um rinoceronte. 'Por aqui!', gritou o Sr. Wonka, virando à esquerda no fundo das escadas.

'Vá mais devagar!', arquejou a Sra. Salt.

'Impossível', disse o Sr. Wonka. 'Nunca chegaríamos a tempo se fosse.'

'Chegaríamos onde?', perguntou Veruca Salt.

'Deixa lá', disse o Sr. Wonka. 'Espera e verás.'

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24 VERUCA NA SALA DAS NOZES

 

O Sr. Wonka avançou apressadamente pelo corredor. A SALA DAS NOZES, dizia na porta seguinte a que chegaram.

'Muito bem', disse o Sr. Wonka, 'parem aqui por um momento e recuperem o fôlego, e deem uma espreitadela pelo painel de vidro desta porta. Mas não entrem! Façam o que fizerem, não entrem na SALA DAS NOZES! Se entrarem, vão perturbar os esquilos!'

Agruparam-se todos em torno da porta.

'Oh olha, Avô, olha!', exclamou Charlie.

'Esquilos!', exclamou Veruca Salt.

'Caramba!', disse Mike Tevê.

Era uma visão espantosa. Uma centena de esquilos estava sentada sobre bancos altos em volta de uma grande mesa. Em cima da mesa havia montes e montes de nozes, e os esquilos trabalhavam todos como loucos, descascando as nozes a uma tremenda velocidade.

'Estes esquilos estão especialmente treinados para descascar nozes', explicou o Sr. Wonka.

'Porquê usar esquilos?', perguntou Mike Tevê. 'Porque não usar Umpa-Lumpas?'

'Porque', disse o Sr. Wonka, 'os Umpa-Lumpas não conseguem tirar as nozes inteiras das cascas. Partem-nas sempre em duas. Ninguém exceto os esquilos consegue sempre tirar as nozes inteiras das cascas. É extremamente difícil. Mas na minha fábrica, insisto apenas em nozes inteiras. Portanto, tenho de ter esquilos para fazerem o serviço. Não são maravilhosos, a forma como tiram aquelas nozes! E vejam como primeiro batem em cada noz com os nós dos dedos para se certificarem de que não está estragada! Se estiver estragada, faz um som oco, e não se dão ao trabalho de abri-la. Atiram-na para a conduta do lixo. Ali! Olhem! Observem aquele esquilo mais perto de nós! Acho que tem uma estragada!'

Observaram o pequeno esquilo enquanto batia na casca da noz com os nós dos dedos. Inclinou a cabeça para um lado, escutando atentamente, depois atirou subitamente a noz sobre o ombro para um grande buraco no chão.

'Ei, mamã!', gritou Veruca Salt de repente, 'Decidi que quero um esquilo! Arranja-me um daqueles esquilos!'

'Não sejas tonta, querida', disse a Sra. Salt. 'Estes todos pertencem ao Sr. Wonka.'

'Não quero saber disso!', gritou Veruca. 'Quero um. Tudo o que tenho em casa são dois cães e quatro gatos e seis coelhinhos e dois periquitos e três canários e um papagaio verde e uma tartaruga e uma taça de peixinhos dourados e uma jaula de ratinhos brancos e um velho hamster tonto! Quero um esquilo!'

'Está bem, minha querida', disse a Sra. Salt de forma tranquilizadora. 'A Mamã arranja-te um esquilo assim que puder.'

'Mas não quero um esquilo qualquer!', gritou Veruca. 'Quero um esquilo treinado!'

Neste ponto, o Sr. Salt, pai de Veruca, avançou. 'Muito bem, Wonka', disse com um ar importante, tirando uma carteira cheia de dinheiro, 'quanto quer por um destes esquilos? Diga o seu preço.'

'Não estão à venda', respondeu o Sr. Wonka. 'Ela não pode ter um.'

'Quem diz que não posso?', gritou Veruca. 'Vou entrar para ir buscar um neste preciso minuto!'

'Não!', disse o Sr. Wonka rapidamente, mas era tarde demais. A rapariga já tinha aberto a porta e corrido lá para dentro.

No momento em que entrou na sala, uma centena de esquilos parou o que estava a fazer e virou as cabeças e fitou-a com pequenos olhos pretos brilhantes.

Veruca Salt também parou, e fitou-os de volta. Depois o seu olhar caiu sobre um pequeno esquilo bonito sentado mais perto dela no fim da mesa. O esquilo segurava uma noz nas patas.

'Muito bem', disse Veruca, 'vou ficar contigo!'

Esticou as mãos para agarrar o esquilo... mas enquanto o fazia... naquela primeira fração de segundo quando as suas mãos começaram a avançar, houve um súbito clarão de movimento na sala, como o clarão de um relâmpago castanho, e cada esquilo em volta da mesa deu um salto na direção dela e aterrou-lhe em cima do corpo. 

Vinte e cinco deles seguraram-lhe o braço direito, e prenderam-no.

Vinte e cinco mais seguraram-lhe o braço esquerdo, e prenderam esse.

Vinte e cinco seguraram-lhe a perna direita e fixaram-na ao chão.

Vinte e quatro seguraram-lhe a perna esquerda.

E o único esquilo que restava (obviamente o líder deles todos) trepou para o ombro dela e começou a bater na cabeça da rapariga desgraçada com os nós dos dedos.

'Salve-a!', gritou a Sra. Salt. 'Veruca! Volta! O que lhe estão a fazer?'

'Estão a testá-la para ver se é uma noz estragada', disse o Sr. Wonka. 'Observe.'

Veruca debatia-se furiosamente, mas os esquilos seguravam-na bem e ela não se conseguia mexer. O esquilo no ombro batia-lhe no lado da cabeça com os nós dos dedos.

Depois, de repente, os esquilos puxaram Veruca para o chão e começaram a transportá-la.

'Meu Deus, afinal é uma noz estragada', disse o Sr. Wonka. 'A cabeça devia ter um som bastante oco.'

Veruca esperneava e gritava, mas era escusado. As patas pequeninas fortes seguraram-na com firmeza e ela não conseguia escapar.

'Para onde a levam?', guinchou a Sra. Salt.

'Vai para onde vão todas as outras nozes estragadas', disse o Sr. Willy Wonka. 'Pela conduta do lixo abaixo.'

'Caramba, ela vai descer a conduta!', disse o Sr. Salt, olhando através da porta de vidro para a filha.

'Então salve-a!', gritou a Sra. Salt.

'Tarde demais', disse o Sr. Wonka. 'Ela foi-se!'

E, de facto, assim era.

'Mas para onde?', guinchou a Sra. Salt, esbracejando. 'O que acontece às nozes estragadas? Onde vai dar a conduta?'

'Aquela conduta em particular', disse-lhe o Sr. Wonka, 'corre diretamente para o grande tubo de lixo principal que transporta todo o lixo de todas as partes da fábrica - todas as varreduras do chão e cascas de batata e couves podres e cabeças de peixe e coisas assim.'

'Quem come peixe e couve e batatas nesta fábrica, gostaria de saber?', disse Mike Tevê.

'Eu, claro', respondeu o Sr. Wonka. 'Não achas que vivo de grãos de cacau, pois não?'

'Mas... mas... mas...', guinchou a Sra. Salt, 'onde vai dar o tubo grande no final?'

'Ora, à fornalha, claro', disse o Sr. Wonka calmamente. 'Ao incinerador.'

A Sra. Salt abriu a enorme boca vermelha e começou a gritar.

'Não se preocupe', disse o Sr. Wonka, 'há sempre uma hipótese de terem decidido não o acender hoje.'

'Uma hipótese!', gritou a Sra. Salt. 'A minha querida Veruca! Ela vai... ela vai... ela vai ser assada como uma salsicha!'

'Tens razão, minha querida', disse o Sr. Salt. 'Veja lá, Wonka', acrescentou, 'acho que foi um nadinha longe demais desta vez, realmente acho. A minha filha pode ser um pouco desmazelada - não me importo de o admitir - mas isso não quer dizer que a pode esturricar. Fique sabendo que estou extremamente zangado com isto, estou mesmo.'

'Oh, não se zangue, meu caro senhor!', disse o Sr. Wonka. 'Conto que ela volte a aparecer mais cedo ou mais tarde. Pode nem sequer ter descido. Pode estar presa na conduta mesmo abaixo do buraco da entrada, e se for esse o caso, tudo o que terá de fazer é entrar e puxá-la de novo para cima.'

Ouvindo isto, tanto o Sr. como a Sra. Salt se precipitaram para dentro da Sala das Nozes e correram para o buraco no chão e espreitaram para dentro.

'Veruca!', gritou o Sr. Salt. 'Estás aí em baixo?'

Não houve resposta.

A Sra. Salt curvou-se mais para a frente para ver melhor. Estava agora ajoelhada mesmo na beira do buraco com a cabeça baixa e o enorme traseiro espetado no ar como um cogumelo gigante. Era uma posição perigosa para se estar. Só precisava de um empurrãozinho... uma cotovelada delicada no sítio certo... e foi exatamente o que os esquilos lhe deram! Lá caiu ela, de cabeça para dentro do buraco, a guinchar como um papagaio.

'Santo Deus!', disse o Sr. Salt, ao ver a mulher gorda a ir aos trambolhões pelo buraco abaixo, 'Tanto lixo que vai haver hoje!' Viu-a desaparecer na escuridão. 'Como é aí em baixo, Angina?', gritou. Inclinou-se mais para a frente.

Os esquilos correram atrás dele...

'Socorro!', gritou ele.

Mas já estava a tombar para a frente, e foi pela conduta abaixo, tal como a mulher antes dele - e a filha.

'Oh, céus!', exclamou Charlie, que observava com os outros através da porta, 'que diabo lhes vai acontecer agora?'

'Conto que alguém os apanhe no fundo da conduta', disse o Sr. Wonka.

'Mas e o grande incinerador incandescente?', perguntou Charlie.

'Só o acendem dia sim, dia não', disse o Sr. Wonka. 'Talvez este seja um dos dias em que o deixam apagar-se. Nunca se sabe... podem ter sorte...'

'Ccchh!', disse o Avô Joe. 'Escutem! Cá vem outra canção!'

Do fundo do corredor veio o bater de tambores. Depois, começou a cantoria.

'Veruca Salt!', cantaram os Umpa-Lumpas.

'Veruca Salt, a pequena bruta,

Acabou de descer a conduta do lixo,

(E, como pensámos com razão,

Que num caso destes devíamos

Levar a coisa até ao fim,

Também despachámos os pais.)

Lá vai a Veruca! Pelo cano abaixo!

E aqui, talvez, devíamos explicar

Que ela conhecerá, ao descer,

Um conjunto de amigos bastante diferente

Daqueles que deixou para trás...

Estes não serão tão refinados.

Uma cabeça de peixe, por exemplo, cortada

Esta manhã de um halibute.

"Olá! Bom dia! Como vai?

Que bom conhecê-lo! Como está?"

E depois um pouco mais abaixo

Reúne-se um monte de outros:

Uma casca de bacon, uma banha rançosa,

Um pão seco e duro,

Um bife que ninguém conseguiu mastigar,

Uma ostra de um guisado de ostras,

Uma salsicha de fígado tão velha e cinzenta,

Que se cheirava a uma milha de distância,

Uma noz podre, uma pera fedorenta,

Uma coisa que o gato deixou na escada,

E muitas outras coisas também, 

Cada uma com um cheiro horrendo.

Estes são os novos amigos de Veruca

Que ela conhecerá ao descer,

E este é o preço que ela tem de pagar

Por seguir um caminho tão mau.

Mas agora, meus queridos, pensamos que podem

Estar a perguntar-se - será mesmo correto

Que cada bocado de culpa

E toda a censura e vergonha

Caiam sobre Veruca Salt?

É só ela que está errada?

Pois embora seja mimada, e de que maneira,

Uma rapariga não pode mimar-se sozinha, sabem.

Quem a mimou, então? Ah, quem, de facto?

Quem cedeu a cada necessidade dela?

Quem a transformou numa peste tal?

Quem são os culpados? Quem fez isso?

Não precisam de procurar muito

Para descobrir quem são estes pecadores.

Eles são (e isto é muito triste)

Os seus pais dedicados, MAMÃ e PAPÁ.

E é por isso que estamos felizes por eles terem caído

Na conduta do lixo também."

 

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25 O GRANDE ELEVADOR DE VIDRO

 

'Nunca vi nada assim!', exclamou o Sr. Wonka. 'As crianças estão a desaparecer como coelhos! Mas não têm de se preocupar! Vão todas sair na lavagem!'

O Sr. Wonka olhou para o pequeno grupo que estava ao lado dele no corredor. Só restavam agora duas crianças - Mike Tevê e Charlie Bucket. E havia três adultos, o Sr. e a Sra. Tevê e o Avô Joe. 'Vamos continuar?', perguntou o Sr. Wonka.

'Oh, sim!', exclamaram Charlie e o Avô Joe, ambos juntos.

'Os meus pés estão a ficar cansados', disse Mike Tevê. 'Quero ver televisão.'

'Se estás cansado, é melhor irmos de elevador', disse o Sr. Wonka. 'É aqui. Vamos! Toca a entrar!' Saltou através da passagem para um par de portas duplas. As portas abriram-se. As duas crianças e os adultos entraram.

'Agora', exclamou o Sr. Wonka, 'que botão vamos premir primeiro? Escolham!'

Charlie Bucket olhou à sua volta com espanto. Este era o elevador mais louco que ele já tinha visto. Havia botões em todo o lado! As paredes, e até o teto, estavam cobertos de filas e filas e filas de botõezinhos pretos! Devia haver um milhar deles em cada parede, e mais mil no teto! E agora Charlie reparava que cada botão tinha um pequenino rótulo impresso ao lado a dizer para que sala seríamos levados se o premíssemos.

'Este não é um elevador comum que sobe e desce!', anunciou o Sr. Wonka com orgulho. 'Este elevador pode andar de lado e ao comprido e na diagonal e em qualquer outra direção que consigam pensar! Pode visitar cada sala na fábrica inteira, não importa onde esteja! Simplesmente carregam no botão... e zing!... lá vão vocês!'

'Fantástico!', murmurou o Avó Joe. Os seus olhos brilhavam de entusiasmo enquanto fitava as filas de botões.

'O elevador inteiro é feito de vidro espesso transparente!', declarou o Sr. Wonka. 'Paredes, portas, teto, chão, tudo é feito de vidro para poderem ver para fora!'

'Mas não há nada para ver', disse Mike Tevê.

'Escolhe um botão!', disse o Sr. Wonka. 'As duas crianças podem premir um botão cada uma. Por isso escolham! Despachem-se! Em todas as salas, algo delicioso e maravilhoso está a ser feito.'

Rapidamente, Charlie começou a ler alguns dos rótulos ao lado dos botões.

A MINA DO AÇÚCAR CÂNDI - 3,050 METROS DE PROFUNDIDADE, dizia num.

RINQUES DE PATINAGEM SOBRE GELO DE COCO, dizia noutro.

Depois... PISTOLAS DE ÁGUA COM SUMO DE MORANGO.

ÁRVORES DE MAÇÃS DE CARAMELO PARA PLANTARES NO TEU JARDIM - TODOS OS TAMANHOS.

DOCES EXPLOSIVOS PARA OS TEUS INIMIGOS.

CHUPAS LUMINOSOS PARA COMER NA CAMA À NOITE.

GOMAS DE MENTA PARA O RAPAZ DA CASA AO LADO - VÃO DAR-LHE DENTES VERDES DURANTE UM MÊS.

CARAMELOS QUE PREENCHEM CÁRIES - ACABARAM-SE OS DENTISTAS.

COLA-MAXILARES PARA PAIS FALADORES.

DOCES QUE SE CONTORCEM AGRADAVELMENTE NA BARRIGA DEPOIS DE ENGOLIRES.

BARRAS DE CHOCOLATE INVISÍVEL PARA COMER NA AULA.

LÁPIS COBERTOS DE AÇÚCAR PARA CHUPAR.

PISCINAS DE LIMONADA COM GÁS.

FUDGE MANUAL MÁGICO - QUANDO O SEGURAS NA MÃO, SENTES O SABOR NA BOCA.

REBUÇADOS ARCO-ÍRIS - CHUPA-OS E PODES CUSPIR EM SEIS CORES DIFERENTES.

'Vá lá, vá lá!', exclamou o Sr. Wonka. 'Não podemos esperar o dia todo!'

'Não há uma Sala da Televisão neste conjunto todo?', perguntou Mike Tevê.

'Certamente que há uma Sala da Televisão', disse o Sr. Wonka. 'Aquele botão ali.' Apontou com o dedo. Todos olharam. CHOCOLATE TELEVISIVO, dizia no rótulo pequenino ao lado do botão.

'Iupi!', gritou Mike Tevê. 'Esse é para mim!' Esticou o polegar e premiu o botão. Imediatamente, houve um zumbido tremendo. As portas fecharam-se com um tinido e o elevador pulou como se tivesse sido picado por uma vespa. Mas saltou para o lado! E todos os passageiros (exceto o Sr. Wonka, que se segurava a uma correia do teto) foram derrubados para o chão.

'Levantem-se, levantem-se!', gritou o Sr. Wonka, rindo às gargalhadas. Mas enquanto se punham de pé, cambaleantes, o elevador mudou de direção e guinou violentamente ao virar uma esquina. E lá caíram eles mais uma vez.

'Socorro!', berrou a Sra. Tevê.

'Pegue na minha mão, minha senhora', disse o Sr. Wonka galanteadoramente. 'Isso mesmo! Agora agarre esta correia! Agarrem todos uma correia. A viagem ainda não acabou!'

O velho Avô Joe pôs-se de pé, cambaleante, e segurou uma correia. O pequeno Charlie, que não conseguia chegar tão alto, pôs os braços em volta das pernas do Avô Joe e agarrou-se com força.

O elevador seguiu apressado à velocidade de um foguetão. Agora começava a subir. Disparava para cima e para cima e para cima numa rota inclinada como se escalasse uma colina muito íngreme. Depois, de repente, como se tivesse chegado ao cume da colina e caído de um precipício, baixou como uma pedra e Charlie sentiu a barriga subir-lhe à garganta, e o Avô Joe gritou: 'Iupi! Cá vamos nós!', e a Sra. Tevê gritou: 'A corda partiu-se! Vamos cair!' E o Sr. Wonka disse: 'Acalme-se, minha cara senhora', e deu-lhe palmadinhas reconfortantes no braço. E depois o Avô Charlie baixou o olhar para Charlie que estava agarrado às suas pernas, e disse: 'Estás bem, Charlie?' Charlie gritou: 'Adoro! É como estar numa montanha-russa!' E através das paredes de vidro do elevador, enquanto este avançava apressadamente, tiveram vislumbres súbitos de coisas estranhas e maravilhosas a passarem-se em algumas das outras salas:

Um enorme bico com uma substância castanha pegajosa a escorrer para o chão...

Uma grande montanha escarpada feita inteiramente de fudge, com Umpa-Lumpas (todos amarrados uns aos outros com uma corda por segurança) a cortar enormes pedaços de fudge dos lados...

Uma máquina a borrifar pó branco como uma tempestade de neve...

Um lago de caramelo quente com vapor a sair dele...

Uma aldeia de Umpa-Lumpas, com casas e ruas minúsculas e centenas de crianças Umpa-Lumpa com não mais de dez centímetros de altura a brincar nas ruas...

E agora o elevador recomeçava a aplanar, mas parecia ir mais depressa do que nunca, e Charlie conseguia ouvir o grito do vento lá fora enquanto este se lançava para a frente... e rodava... e virava... e subia... e descia... e...

'Vou vomitar!', gritou a Sra. Tevê, ficando verde na cara.

'Por favor, não vomite', disse o Sr. Wonka.

'Tente impedir-me!', disse a Sra. Tevê.

'Então é melhor pegar nisto', disse o Sr. Wonka, e, num gesto largo, tirou a magnífica cartola preta da cabeça, e estendeu-a, ao contrário, em frente à boca da Sra. Tevê.

'Faça esta coisa horrível parar!', ordenou o Sr. Tevê.

'Não posso fazer isso', disse o Sr. Wonka. 'Não vai parar até chegarmos. Só espero que ninguém esteja a usar o outro elevador neste momento.'

'Que outro elevador?', gritou a Sra. Tevê.

'O que segue o caminho oposto na mesma pista que este', disse o Sr. Wonka.

'Minha nossa!', exclamou Mike Tevê. 'Quer dizer que podemos chocar?'

'Sempre tive sorte até agora', disse o Sr. Wonka.

'Agora é que eu vou vomitar!', berrou a Sra. Tevê.

'Não, não!', disse o Sr. Wonka. 'Agora não! Estamos quase lá! Não me estrague o chapéu!'

No momento seguinte, houve um grito dos travões, e o elevador começou a abrandar. Depois parou completamente.

'Mas que viagem!', disse o Sr. Tevê, limpando a grande cara suada com um lenço.

'Nunca mais!', arquejou a Sra. Tevê. E depois as portas do elevador abriram-se e o Sr. Wonka disse: 'Só um minuto! Ouçam-me! Quero que todos tenham muito cuidado nesta sala. Há coisas perigosas por aqui e não devem mexer nelas.'

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26 A SALA DO CHOCOLATE TELEVISIVO

 

A família Tevê, junto com Charlie e o Avô Joe, saiu do elevador e entrou numa sala tão ofuscantemente brilhante e ofuscantemente branca que contraiu os olhos de dor e parou de andar. O Sr. Wonka entregou a cada um deles um par de óculos escuros e disse: 'Ponham-nos depressa! E não os tirem aqui façam o que fizerem! Esta luz pode cegar-vos!'

Assim que Charlie tinha os óculos escuros postos, conseguiu olhar à sua volta com conforto. Viu uma longa sala estreita. O quarto estava pintado de branco em todo o lado. Até o chão era branco, e não havia um grão de pó em lado nenhum. Do teto, pendiam candeeiros enormes e banhavam a sala numa luz branca-azulada brilhante. A sala estava completamente vazia, exceto nas extremidades. Numa destas extremidades, havia uma enorme câmara sobre rodas, e um exército inteiro de Umpa-Lumpas estava reunido em volta dela, a olear as juntas e a ajustar os botões e a polir a grande lente de vidro. Os Umpa-Lumpas estavam todos vestidos da forma mais extraordinária. Usavam fatos espaciais vermelho-vivo, completos com capacetes e óculos de proteção - pelo menos, pareciam fatos espaciais - e trabalhavam em completo silêncio. Observando-os, Charlie experimentou uma estranha sensação de perigo. Havia algo perigoso nisto tudo, e os Umpa-Lumpas sabiam-no. Aqui, não havia tagarelice nem cantoria entre eles, e moviam-se sobre a enorme câmara negra lenta e cuidadosamente nos seus fatos espaciais escarlates.

Na outra extremidade da sala, a cerca de cinquenta passos de distância da câmara, um único Umpa-Lumpa (também a usar um fato espacial) estava sentado a uma mesa preta a fitar o ecrã de um televisor muito grande.

'Cá vamos nós!', exclamou o Sr. Wonka, saltitando de entusiasmo. 'Esta é a Sala de Testes para a minha última e maior invenção - Chocolate Televisivo!'

'Mas o que é Chocolate Televisivo?', perguntou Mike Tevê.

'Céus, criança, para de me interromper!', disse o Sr. Wonka. 'Funciona por televisão. Eu não gosto de televisão. Suponho que seja boa em pequenas doses, mas as crianças nunca parecem usá-la em pequenas doses. Querem sentar-se ali o dia todo a olhar e a olhar para o ecrã...'

'Esse sou eu!', disse Mike Tevê.

'Cala-te!', disse o Sr. Tevê.

'Obrigado', disse o Sr. Wonka. 'Vou agora contar-vos como este meu televisor espantoso funciona. Mas antes de mais, sabem como a televisão normal funciona? É muito simples. De um lado, onde a imagem está a ser gravada, têm uma grande máquina de filmar e começam a fotografar algo. As fotografias são depois divididas em milhões de pedacinhos minúsculos que são tão pequenos que não podemos vê-los, e estes pedacinhos são disparados para o céu por eletricidade. No céu, andam a zumbir por todo o lado até que de repente atingem a antena no telhado da casa de alguém. Depois percorrem o fio que conduz diretamente à traseira do televisor, e lá dentro são agitados e sacudidos até que por fim cada um desses milhões de pedaços pequeninos é encaixado de novo no sítio certo (tal como um puzzle), e abracadabra! - a fotografia aparece no ecrã...'

'Não é exatamente assim que funciona', disse Mike Tevê.

'Sou um pouco surdo no ouvido esquerdo', disse o Sr. Wonka. 'Tens de me perdoar se não ouvir tudo o que tu dizes.'

'Eu disse, não é exatamente assim que funciona!', gritou Mike Tevê.

'És um bom rapaz', disse o Sr. Wonka, 'mas falas demais. Atenção! Da primeira vez que vi televisão normal a funcionar, surgiu-me de repente uma ideia tremenda. "Olha!", gritei. "Se estas pessoas conseguem dividir uma fotografia em milhões de pedaços e mandar os pedaços pelo ar e depois voltar a juntá-los do outro lado, porque não posso fazer a mesma coisa com uma barra de chocolate? Porque não posso mandar uma barra de chocolate verdadeira a zumbir pelo ar em pedaços minúsculos e depois voltar a juntar os pedaços do outro lado, prontos a serem comidos?"'

'Impossível!', disse Mike Tevê.

'Achas?', exclamou o Sr. Wonka. 'Bem, vê isto! Vou agora mandar uma barra do meu melhor chocolate de uma ponta desta sala para a outra - por televisão! Preparem-se, aí! Tragam o chocolate!'

De imediato, seis Umpa-Lumpas avançaram trazendo nos ombros a mais enorme barra de chocolate que Charlie alguma vez vira. Era mais ou menos do tamanho do colchão em que ele dormia em casa.

'Tem de ser grande', explicou o Sr. Wonka, 'porque quando se envia algo por televisão, sai sempre muito mais pequeno do que era quando entrou. Mesmo com televisão normal, quando se fotografa um homem grande, ele nunca aparece no vosso ecrã mais alto do que um lápis, pois não? Cá vamos nós, então! Preparem-se! Não, não! Parem! Parem tudo! Tu aí! Mike Tevê! Afasta-te! Estás muito perto da câmara! Há raios perigosos a saírem dessa coisa! Podem dividir-te num milhão de pedaços pequeninos num segundo! É por isso que os Umpa-Lumpas estão a usar fatos espaciais! Os fatos protegem-nos! Muito bem! Assim está melhor! Agora, então! Interruptor ligado!'

Um dos Umpa-Lumpas agarrou um grande interruptor e puxou-o para baixo.

Houve um clarão ofuscante.

'O chocolate desapareceu!', gritou o Avô Joe, abanando os braços.

Ele tinha toda a razão! A enorme barra de chocolate inteira tinha desaparecido completamente sem deixar rasto!

'Está a caminho!', exclamou o Sr. Wonka. 'Está agora a correr pelo ar sobre as nossas cabeças num milhão de pedaços pequeninos. Rápido! Venham cá!' Correu para a outra extremidade da sala onde estava o grande televisor, e os outros seguiram-no. 'Vejam o ecrã!', exclamou. 'Aqui vem ele! Olhem!'

O ecrã tremeluziu e acendeu-se. Depois, de repente, uma pequena barra de chocolate apareceu no meio do ecrã.

'Peguem nela!', gritou o Sr. Wonka, ficando cada vez mais entusiasmado.

'Como se pode pegar nela?', perguntou Mike Tevê, rindo-se. 'É só uma imagem num ecrã de televisão!'

'Charlie Bucket!', gritou o Sr. Wonka. 'Pega tu nela! Estica a mão e agarra-a!'

Charlie esticou a mão e tocou no ecrã, e de repente, milagrosamente, a barra de chocolate veio nos dedos dele. Ele ficou tão admirado que quase a deixou cair.

'Come-a!', gritou o Sr. Wonka. 'Vá, come-a! Será deliciosa! É a mesma barra! Só ficou mais pequena na viagem, mais nada!'

'É absolutamente fantástico!', sobressaltou-se o Avô Joe. 'É... é... é um milagre!'

'Imaginem só', exclamou o Sr. Wonka, 'quando eu começar a usar isto pelo país todo... vão estar sentados em casa a ver televisão e de repente vai aparecer um anúncio no ecrã e uma voz vai dizer: "COME OS CHOCOLATES DO WONKA! SÃO OS MELHORES DO MUNDO! SE NÃO ACREDITAS EM NÓS, PROVA UM - AGORA!" E simplesmente esticam a mão e pegam num! Que tal, hã?'

'Formidável!', exclamou o Avô Joe. 'Vai mudar o mundo!'

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27 MIKE TEVÊ É ENVIADO POR TELEVISÃO

 

Mike Tevê ficou ainda mais entusiasmado do que o Avô Joe ao ver uma barra de chocolate enviada por televisão. 'Mas, Sr. Wonka', gritou, 'pode enviar outras coisas através do ar da mesma maneira? Cereais de pequeno-almoço, por exemplo?'

'Oh, meu Deus!', exclamou o Sr. Wonka. 'Não menciones essa coisa nojenta à minha frente! Sabes de que são feitos os cereais de pequeno-almoço? São feitos de todas aquelas pequenas aparas de madeira encaracoladas que encontras em apara-lápis!'

'Mas podia enviá-lo por televisão se quisesse, como envia o chocolate?', perguntou Mike Tevê.

'Claro que podia!'

'E pessoas?', perguntou Mike Tevê. 'Podia enviar uma pessoa verdadeira de um sítio para outro da mesma maneira?'

'Uma pessoa!', exclamou o Sr. Wonka. 'Estás maluco?'

'Mas podia ser feito?'

'Santo Deus, criança, não sei mesmo... suponho que podia... sim. Tenho quase a certeza que podia... claro que podia... mas eu não gostaria de arriscar... pode ter uns resultados bastante desagradáveis...'

Mas Mike Tevê já estava a correr. No momento em que ouviu o Sr. Wonka dizer: 'Tenho quase a certeza que podia... claro que podia...', virou-se e começou a correr o mais depressa que podia em direção à outra extremidade da sala onde estava a grande câmara. 'Olhem para mim!', gritou enquanto corria. 'Vou ser a primeira pessoa do mundo a ser enviada por televisão!'

'Não, não, não, não!', gritou o Sr. Wonka.

'Mike!', gritou a Sra. Tevê. 'Para! Volta! Vais ser transformado num milhão de pedaços pequeninos!'

Mas agora não havia como parar Mike Tevê. O rapaz louco avançou apressadamente, e quando alcançou a enorme câmara, saltou direito para o interruptor, dispersando Umpa-Lumpas a torto e a direito enquanto ia.

'Até logo!', gritou, e baixou o interruptor, e ao fazê-lo, saltou para o brilho total da poderosa lente.

Houve um clarão ofuscante.

Depois houve silêncio.

Depois a Sra. Tevê correu para a frente... mas estacou no meio da sala... e ficou ali parada... ficou a olhar para o sítio onde o filho tinha estado... e a sua grande boca vermelha escancarou-se e ela gritou: 'Ele desapareceu! Ele desapareceu!'

'Céus, desapareceu mesmo!', berrou o Sr. Tevê.

O Sr. Wonka avançou apressadamente e colocou uma mão delicadamente no ombro da Sra. Tevê. 'Teremos de esperar o melhor', disse. 'Temos de rezar que o seu menino saia ileso do outro lado.'

'Mike!', gritou a Sra. Tevê, agarrando a cabeça nas mãos. 'Onde estás?'

'Eu digo-te onde ele está', disse o Sr. Tevê, 'está a zumbir sobre as nossas cabeças num milhão de pedaços pequeninos!'

'Não fales disso!', lamentou-se a Sra. Tevê.

'Temos de ver o televisor', disse o Sr. Wonka. 'Ele pode passar a qualquer momento.'

O Sr. e a Sra. Tevê e o Avô Joe e o pequeno Charlie e o Sr. Wonka reuniram-se todos em volta da televisão e olharam tensamente para o ecrã. O ecrã estava completamente em branco.

'Está a demorar um tempo dos diabos a atravessar', disse o Sr. Tevê, limpando o sobrolho.

'Oh céus, oh céus', disse o Sr. Wonka, 'espero que nenhuma parte dele seja deixada para trás.'

'Que diabo quer você dizer?', perguntou o Sr. Tevê bruscamente.

'Não desejo alarmá-lo', disse o Sr. Wonka, 'mas às vezes acontece que apenas cerca de metade dos pedacinhos encontra o caminho para o televisor. Aconteceu a semana passada. Não sei porquê, mas o resultado foi que apenas meia barra de chocolate passou.'

A Sra. Tevê soltou um grito de horror. 'Quer dizer que apenas metade do Mike vai voltar para nós?', exclamou.

'Esperemos que seja a metade de cima', disse o Sr. Tevê.

'Parem tudo!', disse o Sr. Wonka. 'Vejam o ecrã! Está a acontecer alguma coisa!'

O ecrã começara de repente a tremeluzir.

Depois apareceram umas linhas onduladas.

O Sr. Wonka ajustou um dos botões e as linhas onduladas desapareceram.

E agora, muito lentamente, o ecrã começou a ficar cada vez mais brilhante.

'Cá vem ele!', gritou o Sr. Wonka. 'Sim, é mesmo ele!'

'Está inteiro?', gritou a Sra. Tevê.

'Não tenho a certeza', disse o Sr. Wonka. 'É muito cedo para perceber.'

Vagamente no início, mas tornando-se mais clara a cada segundo, a imagem de Mike Tevê apareceu no ecrã. Ele estava de pé e acenava ao público e sorria de orelha a orelha.

'Mas ele é um anão!', berrou o Sr. Tevê.

'Mike', gritou a Sra. Tevê, 'estás bem? Faltam algumas partes de ti?'

'Ele não vai ficar maior?', berrou o Sr. Tevê.

'Fala comigo, Mike!', gritou a Sra. Tevê. 'Diz algo! Diz-me que estás bem!'

Uma vozinha minúscula, não mais alta que o chiar de um rato, saiu do televisor. 'Olá, Mãe!', disse a voz. 'Olá, Pai! Olhem para mim! Sou a primeira pessoa de sempre a ser enviada por televisão!'

'Agarrem-no!', ordenou o Sr. Wonka. 'Rápido!'

A Sra. Tevê esticou uma mão e tirou a figura minúscula de Mike Tevê do ecrã.

'Hurra!', exclamou o Sr. Wonka. 'Está inteiro! Está completamente ileso!'

'Chama a isso ileso?', disse a Sra. Tevê rispidamente, olhando para a pintinha de rapaz que corria agora de um lado para o outro através da palma da sua mão, abanando as pistolas no ar.

Certamente não tinha mais de trinta centímetros de altura.

'Ele encolheu!', disse o Sr. Tevê.

'Claro que encolheu', disse o Sr. Wonka. 'O que esperava?'

'Isto é terrível!', lamentou-se a Sra. Tevê. 'O que vamos fazer?'

E o Sr. Tevê disse: 'Não podemos mandá-lo de volta para a escola assim! Vai ser pisado! Vai ser esmagado!'

'Não vai poder fazer nada!', exclamou a Sra. Tevê.

'Oh, vou, sim!', guinchou a voz minúscula de Mike Tevê. 'Ainda vou poder ver televisão!'

'Nunca mais!', berrou o Sr. Tevê. 'Vou atirar o televisor pela janela no momento em que chegarmos a casa. Já tive que chegasse de televisão!'

Quando ouviu isto, Mike Tevê fez uma birra terrível. Começou a saltar na palma da mão da mãe, a gritar e a berrar e a tentar morder-lhe os dedos. 'Quero ver televisão!', guinchou. 'Quero ver televisão! Quero ver televisão! Quero ver televisão!'

'Dá-mo cá!', disse o Sr. Tevê, e pegou no rapaz minúsculo e enfiou-o no bolso do peito do casaco e meteu um lenço por cima. Guinchos e gritos vieram de dentro do bolso, e o bolso abanou enquanto o pequeno prisioneiro furioso lutava para sair.

'Oh, Sr. Wonka', lamentou-se a Sra. Tevê, 'como podemos fazê-lo crescer?'

'Bem', disse o Sr. Wonka, afagando a barba e fitando pensativamente o teto, 'devo dizer que isso é um pouquinho complicado. Mas os rapazes pequenos são extremamente flexíveis e elásticos. Esticam-se que é uma loucura. Por isso o que vamos fazer é, vamos pô-lo numa máquina especial que eu tenho para testar a elasticidade da pastilha elástica! Talvez isso o traga de volta ao que ele era.'

'Oh, obrigada!', disse a Sra. Tevê.

'Não tem de quê, cara senhora.'

'Quanto acha que ele vai esticar?', perguntou o Sr. Tevê.

'Talvez milhas', disse o Sr. Wonka. 'Quem sabe? Mas vai ser terrivelmente magro. Tudo fica mais magro quando se estica.'

'Quer dizer como a pastilha elástica?', perguntou o Sr. Tevê.

'Exato.'

'Quão magro é que ele vai ser?', perguntou a Sra. Tevê ansiosamente.

'Não faço a menor ideia', disse o Sr. Wonka. 'E não importa, porque depressa o voltaremos a engordar. Tudo o que teremos de fazer é dar-lhe uma overdose tripla do meu maravilhoso Chocolate de Supervitaminas. O Chocolate de Supervitaminas contém enormes quantidades de vitamina A e vitamina B. Também contém vitamina E, vitamina F, vitamina G, vitamina I, vitamina J, vitamina K, vitamina L, vitamina M, vitamina N, vitamina O, vitamina P, vitamina Q, vitamina R, vitamina S, vitamina T, vitamina u, vitamina V, vitamina W, vitamina X, vitamina Y e, acreditem ou não, vitamina Z! As únicas duas vitaminas que não tem são vitamina D, porque nos deixa doentes, e vitamina C, porque nos faz crescer cornos no cimo da cabeça, como um touro. Mas tem uma quantidade muito pequena da vitamina mais rara e mágica de todas - vitamina Wonka.'

'E o que lhe fará isso?', perguntou a Sra. Tevê ansiosamente.

'Fará os dedos dos pés crescerem tanto como os dedos das mãos...'

'Oh, não!', exclamou a Sra. Tevê.

'Não seja tonta', disse o Sr. Wonka. 'É extremamente útil. Ele vai poder tocar piano com os pés.'

'Mas, Sr. Wonka...'

'Sem discussões, por favor!', disse o Sr. Wonka. Virou-se e estalou os dedos três vezes no ar. Um Umpa-Lumpa apareceu de imediato e ficou ao lado dele. 'Segue estas ordens', disse o Sr. Wonka, entregando ao Umpa-Lumpa um pedaço de papel no qual escrevera instruções completas. 'E encontrarás o rapaz no bolso do pai. Vai lá! Adeus, Sr. Tevê! Adeus, Sra. Tevê! E por favor não fiquem com um ar tão preocupado! Todos saem na lavagem, sabem; todos eles...'

Na extremidade da sala, os Umpa-Lumpas em volta da câmara gigante já batiam nos seus tambores pequeninos e começavam a correr ao ritmo.

'Lá vão eles outra vez!', disse o Sr. Wonka. 'Receio que não podem impedi-los de cantar.'

O pequeno Charlie apanhou a mão do Avô Joe, e os dois ficaram ao lado do Sr. Wonka no meio da longa sala brilhante, a ouvir os Umpa-Lumpas. E isto foi o que eles cantaram:

A coisa mais importante que aprendemos,

No que a crianças diz respeito,

É nunca, NUNCA, NUNCA deixá-las

Perto do televisor -

Ou melhor ainda, não instales

A coisa idiota de todo.

Em quase todas as casas em que estivemos,

Vimo-los a olhar o ecrã boquiabertos.

Recostam-se e reclinam-se

E olham até os olhos lhes saltarem.

(A semana passada na casa de alguém vimos

Uma dúzia de globos oculares no chão.)

Sentam-se e olham e olham e sentam-se

Até estarem hipnotizados por ela,

Até estarem absolutamente bêbados

Com aquele horrível lixo nojento.

Oh sim, sabemos que os mantém quietos,

Não saem pelo parapeito da janela,

Nunca lutam ou dão chutos ou socos,

Deixam-te livre para cozinhares o almoço,

E lavar a loiça no lava-loiça - 

Mas já paraste para pensar,

Para te perguntares exatamente o que

Isto faz ao teu adorado pequenino?

APODRECE OS SENTIDOS NA CABEÇA!

MATA A IMAGINAÇÃO!

ENTOPE E ENTULHA A MENTE!

DEIXA UMA CRIANÇA TÃO ESTÚPIDA E CEGA

QUE ELA JÁ NÃO CONSEGUE COMPREENDER

UMA FANTASIA, UM REINO ENCANTADO!

O CÉREBRO TORNA-SE MOLE COMO QUEIJO!

OS PODERES DO PENSAMENTO ENFERRUJAM E CONGELAM!

ELE NÃO CONSEGUE PENSAR - SÓ VÊ!

"Está bem!", gritarás. "Está bem!", dirás,

"Mas se tirarmos o televisor,

O que faremos para entreter

As nossas queridas crianças! Por favor, explique!"

Responderemos a isto perguntando-te,

"O que costumavam os queridos fazer?

Como costumavam manter-se satisfeitos

Antes de este monstro ser inventado?"

Esqueceste-te? Não sabes?

Vamos dizê-lo muito alto e devagar:

ELES... COSTUMAVAM... LER! Eles LIAM e LIAM,

E LIAM e LIAM, e depois continuavam

A LER mais um bocado. Meu Deus! Caramba!

Metade da vida deles era ler livros!

As prateleiras do berçário tinham livros em abundância!

Livros atravancavam o chão do berçário!

E no quarto, junto à cama,

Mais livros esperavam para ser lidos!

Contos tão maravilhosos, excelentes, fantásticos

De dragões, ciganos, rainhas, e baleias

E ilhas do tesouro, e costas distantes

Onde contrabandistas remavam com remos abafados,

E piratas a usar calças roxas,

E barcos à vela e elefantes,

E canibais agachados à volta da panela,

A mexer algo quente.

(Cheira tão bem, o que poderá ser?

Santo Deus, é a Penelope.)

Os mais novos tinham Beatrix Potter

Com o Mr. Tod, o patife,

E Squirrel Nutkin, Pigling Bland,

E Mrs. Tiggy-Winkle e...

Como o Camelo Conseguiu a Sua Bossa,

E Como o Macaco Perdeu o Rabo,

E o Sr. Sapo, e abençoa a minha alma,

Há o Sr. Rato e o Sr. Toupeira...

Oh livros, que livros elas costumavam conhecer,

Aquelas crianças que há muito viviam!

Por isso por favor, oh por favor, imploramos, rogamos,

Vai deitar o teu televisor fora,

E no seu lugar podes instalar

Uma bela estante na parede.

Depois enche as prateleiras com muitos livros,

Ignorando todos os olhares de reprovação,

Os gritos e berros, as mordidelas e os pontapés,

E crianças a baterem-te com paus -

Não temas, porque te prometemos

Que dentro de uma semana ou duas

Sem nada mais ter para fazer,

Elas começarão agora a sentir a necessidade

De ter algo bom para ler.

E assim que começarem - caramba, caramba!

Observa a alegria que cresce lentamente

E lhes enche o coração. Vão gostar tanto

Que vão perguntar-se o que alguma vez viram

Naquela máquina ridícula,

Naquele repugnante, horrível, imundo,

Repulsivo ecrã de televisão!

E mais tarde, cada miúdo

Vai amar-te mais pelo que fizeste.

P.S. Em relação a Mike Tevê,

Lamentamos muito que nós

Teremos simplesmente de esperar para ver

Se conseguimos recuperar a altura dele.

Mas se não conseguirmos - é bem feito.

 

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28 SÓ RESTA O CHARLIE

 

'Que sala será a seguir?', disse o Sr. Wonka enquanto se virava e se precipitava para dentro do elevador. 'Vá lá! Despachem-se! Temos de ir! E quantas crianças restam agora?'

O pequeno Charlie olhou para o Avô Joe, e o Avô Joe olhou de volta para o pequeno Charlie.

'Mas, Sr. Wonka', chamou o Avô Joe atrás dele, 'agora... agora só resta o Charlie.'

O Sr. Wonka virou-se e olhou fixamente para Charlie.

Houve um silêncio. Charlie ficou ali a segurar firmemente a mão do Avô Joe.

'Queres dizer que só restas tu?', disse o Sr. Wonka, fingindo-se admirado. 

'Ora, sim', sussurrou Charlie. 'Sim.'

O Sr. Wonka explodiu subitamente de entusiasmo. 'Mas meu caro rapaz', exclamou, 'isso quer dizer que ganhaste!' Saiu apressadamente do elevador e começou a apertar a mão de Charlie tão furiosamente que esta quase saiu. 'Oh, dou-te os parabéns!', exclamou. 'Dou mesmo! Estou absolutamente encantado! Não podia ser melhor! Como isto é maravilhoso! Muito bem, Charlie, muito bem! Isto é formidável! Agora a diversão vai começar a sério! Mas não podemos perder tempo! Agora há ainda menos tempo a perder do que havia antes! Temos um número enorme de coisas para fazer antes de o dia acabar! Pensa nos preparativos que têm de ser feitos! E as pessoas que temos de ir buscar! Mas felizmente para nós, temos o grande elevador de vidro para acelerar as coisas! Entra, meu querido Charlie, entra! Você também, Avô Joe, senhor! Não, não, depois de si! Assim mesmo! Atenção! Desta vez eu vou escolher o botão que vamos premir!' Os olhos azuis brilhantes do Sr. Wonka pousaram por um momento na cara de Charlie.

Algo louco vai acontecer agora, pensou Charlie. Mas ele não tinha medo. Nem sequer estava nervoso. Estava apenas tremendamente entusiasmado. E o Avô Joe também. A cara do velhote brilhava de entusiasmo enquanto observava cada movimento que o Sr. Wonka fazia. O Sr. Wonka esticava a mão para um botão no teto do elevador. O Charlie e o Avô Joe esticaram ambos o pescoço para ver o que dizia no pequeno rótulo ao lado do botão.

Dizia... PARA CIMA E PARA FORA.

'Para cima e para fora', pensou Charlie. 'Que tipo de sala é essa?'

O Sr. Wonka premiu o botão. 

As portas de vidro fecharam.

'Segurem-se!', gritou o Sr. Wonka.

Depois ZÁS! O elevador disparou para cima como um foguetão! 'Iupii!', gritou o Avô Joe. Charlie estava agarrado às pernas do Avô Joe e o Sr. Wonka segurava-se a uma correia do teto, e lá subiram eles, para cima, para cima, para cima, desta vez direitos para cima, sem voltas ou reviravoltas, e Charlie conseguia ouvir o assobio do ar lá fora enquanto o elevador ia cada vez mais depressa. 'Iupii!', gritou o Avô Joe de novo. 'Iupii! Cá vamos nós!'

'Mais depressa!', gritou o Sr. Wonka, batendo na parede do elevador com a mão. 'Mais depressa! Mais depressa! Se não formos mais depressa do que isto, nunca iremos atravessar!'

'Atravessar o quê?', gritou o Avô Joe. 'O que temos de atravessar?'

'Ah-ha!', exclamou o Sr. Wonka, 'espere para ver! Há anos que desejo carregar neste botão! Mas nunca o fiz até agora! Estive tentado muitas vezes! Oh, sim, estive tentado! Mas não suportava a ideia de fazer um grande buraco no telhado da fábrica! Cá vamos nós, rapazes! Para cima e para fora!'

'Mas não quer dizer...', gritou o Avô Joe, '...não quer mesmo dizer que este elevador...'

'Oh sim, quero!', respondeu o Sr. Wonka. 'Espere para ver! Para cima e para fora!'

'Mas... mas... mas... é feito de vidro!', gritou o Avô Joe. 'Vai partir-se num milhão de pedaços!'

'Suponho que possa', disse o Sr. Wonka, animado como sempre, 'mas é vidro bastante espesso, ainda assim.'

O elevador avançou apressadamente, subindo e subindo e subindo, cada vez mais e mais e mais depressa...

Depois, de repente, CRASH! - e o mais tremendo ruído de madeira a estilhaçar-se e telhas partidas veio diretamente de cima das cabeças deles, e o Avô Joe gritou: 'Socorro! É o fim! Estamos feitos!', e o Sr. Wonka disse: 'Não, não estamos! Atravessámos! Saímos!' De facto, o elevador tinha disparado através do telhado da fábrica e subia agora para o céu como um foguetão, e o brilho do sol entrava através do telhado de vidro. Em cinco segundos estavam a trezentos metros no céu.

'O elevador enlouqueceu!', gritou o Avô Joe.

'Não tenha medo, meu caro senhor', disse o Sr. Wonka calmamente, e premiu outro botão. O elevador parou. Parou e ficou suspenso em pleno ar, a pairar como um helicóptero, a pairar sobre a fábrica e sobre a própria cidade que se estendia por baixo deles como um postal! Olhando através do chão de vidro sobre o qual estava, Charlie conseguia ver as casinhas distantes e as ruas e a neve espessa que cobria tudo. Era uma sensação estranha e assustadora estar de pé sobre vidro transparente no céu. Fazia-nos sentir que não estávamos em cima de nada.

'Estamos bem?', gritou o Avô Joe. 'Como é que esta coisa se mantém no ar?'

'Energia de açúcar!', disse o Sr. Wonka. 'Um milhão de energia de açúcar! Oh, olhem', exclamou, apontando para baixo, 'lá vão as outras crianças! Vão voltar para casa!'

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29 AS OUTRAS CRIANÇAS VÃO PARA CASA 

 

'Temos de descer e dar uma olhadela aos nossos amiguinhos antes de fazermos qualquer outra coisa', disse o Sr. Wonka. Premiu um botão diferente, e o elevador desceu, e em pouco tempo pairava mesmo acima dos portões da entrada da fábrica.

Olhando para baixo agora, Charlie conseguia ver as crianças e os pais num pequeno grupo dentro dos portões.

'Só consigo ver três', disse ele. 'Quem falta?'

'Conto que seja o Mike Tevê', disse o Sr. Wonka. 'Mas ele aparecerá em breve. Vês os camiões?' O Sr. Wonka apontou para uma linha de carrinhas gigantescas cobertas estacionadas por perto.

'Sim', disse Charlie. 'Para que são?'

'Não te lembras do que dizia nos Bilhetes Dourados? Cada criança vai para casa com um fornecimento de doces para a vida toda. Há um camião cheio para cada um deles, a abarrotar. Ah-ah', continuou o Sr. Wonka, 'ali vai o nosso amigo Augustus Gloop! Estão a vê-lo? Está a entrar no primeiro camião com a mãe e o pai!'

'Quer dizer que ele está mesmo bem?', perguntou Charlie. 'Mesmo depois de subir aquele tubo horrível?'

'Está muitíssimo bem', disse o Sr. Wonka.

'Ele mudou!', disse o Avô Joe, olhando para baixo através da parede de vidro do elevador. 'Ele era gordo! Agora está magro como uma palha!'

'Claro que mudou', disse o Sr. Wonka, rindo. 'Foi espremido no tubo. Não se lembra? E olhem! Ali vai a Menina Violet Beauregarde, a grande mascadora de pastilhas! Parece que afinal conseguiram espremer-lhe o sumo. Estou tão contente. E como parece saudável! Muito melhor do que antes!'

'Mas tem a cara roxa!', exclamou o Avô Joe.

'Pois tem', disse o Sr. Wonka. 'Ah, bem, quanto a isso não podemos fazer nada.'

'Santo Deus!', exclamou Charlie. 'Olhem para a pobre Veruca Salt e o Sr. Salt e a Sra. Salt! Estão simplesmente cobertos de lixo!'

'E cá vem o Mike Tevê!', disse o Avô Joe. 'Céus! O que lhe fizeram? Tem cerca de três metros de altura e está magro como um fio!'

'Esticaram-no demais na máquina de esticar pastilha', disse o Sr. Wonka. 'Que descuidados.'

'Mas que terrível para ele!', exclamou Charlie.

'Disparate,' disse o Sr. Wonka, 'ele tem muita sorte. Cada equipa de basquetebol do país vai tentar consegui-lo. Mas agora', acrescentou, 'é hora de deixarmos estas quatro crianças tontas. Tenho algo muito importante para falar contigo, meu querido Charlie.' O Sr. Wonka premiu outro botão, e o elevador balançou para cima, para o céu.

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30 A FÁBRICA DE CHOCOLATE DO CHARLIE

 

O grande elevador de vidro pairava agora alto sobre a cidade. Dentro do elevador estavam o Sr. Wonka, o Avô Joe e o pequeno Charlie.

'Como adoro a minha fábrica de chocolate', disse o Sr. Wonka, olhando para baixo. Depois fez uma pausa, e virou-se e olhou para Charlie com uma expressão extremamente séria no rosto. 'Também a adoras, Charlie?', perguntou.

'Oh, sim', exclamou Charlie, 'acho que é o sítio mais maravilhoso do mundo inteiro!'

'Fico muito contente por te ouvir dizer isso', disse o Sr. Wonka, parecendo mais sério do que nunca. Continuou a olhar fixamente para Charlie. 'Sim', disse, 'estou de facto muito contente por te ouvir dizer isso. E agora vou dizer-te porquê.' O Sr. Wonka inclinou a cabeça para um lado e de repente as rugas cintilantes pequeninas de um sorriso apareceram-lhe em volta dos cantos dos olhos, e ele disse: 'Sabes, meu querido rapaz, decidi fazer-te um presente do sítio inteiro. Assim que tiveres idade suficiente para dirigi-la, a fábrica inteira vai tornar-se tua.'

Charlie olhou fixamente para o Sr. Wonka. O Avô Joe abriu a boca para falar, mas não saíram nenhumas palavras.

'É completamente verdade', disse o Sr. Wonka, sorrindo agora largamente. 'Vou mesmo dar-ta. Pode ser, não pode?'

'Dar-lha?', sobressaltou-se o Avô Joe. 'Deve estar a brincar.'

'Não estou a brincar, senhor. Estou a falar muito a sério.'

'Mas... mas... porque haveria de querer dar a sua fábrica ao pequeno Charlie?'

'Escute', disse o Sr. Wonka, 'sou um homem velho. Sou muito mais velho do que pensa. Não posso continuar para sempre. Não tenho filhos meus, nenhuma família. Então quem vai dirigir a fábrica quando eu ficar demasiado velho para o fazer eu próprio? Alguém tem de mantê-la a funcionar - nem que seja por causa dos Umpa-Lumpas. Há milhares de homens inteligentes que dariam qualquer coisa pela oportunidade de entrar e assumir o controlo, mas não quero esse tipo de pessoa. Não quero uma pessoa adulta de todo. Um adulto não me dará ouvidos; não aprenderá. Tentará fazer as coisas à sua maneira e não à minha. Por isso, tenho de ter uma criança. Uma criança boa, sensata e amorosa, uma a quem possa contar todos os meus mais preciosos segredos de fazer doces - enquanto ainda estou vivo.'

'Então foi por isso que enviou os Bilhetes Dourados!', exclamou Charlie.

'Exatamente!', disse o Sr. Wonka. 'Decidi convidar cinco crianças para a fábrica, e a que eu gostasse mais ao fim do dia seria a vencedora!'

'Mas, Sr. Wonka', gaguejou o Avô Joe, 'quer mesmo verdadeiramente dizer que vai dar esta enorme fábrica inteira ao pequeno Charlie? Afinal de contas...'

'Não há tempo para discussões!', exclamou o Sr. Wonka. 'Temos de ir imediatamente buscar o resto da família - o pai e a mãe do Charlie e quaisquer outras pessoas que estejam por perto! Podem todos viver na fábrica a partir de agora! Podem todos ajudar a dirigi-la até o Charlie ter idade suficiente para o fazer sozinho! Onde vives, Charlie?'

Charlie olhou para baixo através do chão de vidro para as casas cobertas de neve que se estendiam abaixo. 'É ali', disse, apontando. 'É aquela cabaninha na beira da cidade, a pequenina...'

'Estou a vê-la!', exclamou o Sr. Wonka, e premiu mais alguns botões e o elevador disparou para baixo em direção à casa de Charlie.

'Receio que a minha mãe não venha connosco', disse Charlie com tristeza.

'Porque não?'

'Porque não vai deixar a Avó Josephine e a Avô Georgina e o Avô George.'

'Mas eles têm de vir também.'

'Não podem', disse Charlie. 'São muito velhos e não saem da cama há vinte anos'.

'Então também levamos a cama, com eles nela', disse o Sr. Wonka. 'Há muito espaço neste elevador para uma cama.'

'Não conseguiria tirar a cama de casa', disse o Avô Joe. 'Não passa pela porta.'

'Não devem desesperar!', exclamou o Sr. Wonka. 'Nada é impossível! Vejam!'

O elevador pairava agora sobre o telhado da casinha dos Buckets.

'O que vai fazer?', exclamou Charlie.

'Vou entrar para ir buscá-los', disse o Sr. Wonka.

'Como?', perguntou o Avô Joe.

'Pelo telhado', disse o Sr. Wonka, premindo outro botão.

'Não!', gritou Charlie.

'Pare!', gritou o Avô Joe.

CRASH, fez o elevador, através do telhado da casa para dentro do quarto dos idosos. Montes de pó e telhas partidas e pedaços de madeira e baratas e aranhas e tijolos e cimento choveram sobre os três idosos que estavam deitados na cama, e cada um deles pensou que tinha chegado o fim do mundo. A Avó Georgina desmaiou, a Avó Josephine deixou cair a dentadura, o Avô George pôs a cabeça debaixo do cobertor, e o Sr. e a Sra. Bucket entraram a correr do quarto ao lado.

'Salvem-nos!', gritou a Avó Josephine.

'Acalma-te, minha querida mulher', disse o Avô Joe, saindo do elevador. 'Somos só nós.'

'Mãe!', exclamou Charlie, correndo para os braços da Sra. Bucket. 'Mãe! Mãe! Ouve o que aconteceu! Vamos todos voltar para viver na fábrica do Sr. Wonka e vamos ajudá-lo a dirigi-la e ele deu-ma toda e... e... e... e...'

'De que estás a falar?', disse a Sra. Bucket.

'Olha para a nossa casa!', exclamou o pobre Sr. Bucket. 'Está em ruínas!'

'Meu caro senhor', disse o Sr. Wonka, saltando para a frente e apertando calorosamente a mão do Sr. Bucket, 'muito prazer em conhecê-lo. Não tem de se preocupar com a sua casa. A partir de agora, nunca mais vai precisar dela, de qualquer maneira.'

'Quem é este louco?', gritou a Avó Josephine. 'Podia ter-nos matado a todos.'

'Este', disse o Avô Joe, 'é o Sr. Wonka em pessoa.'

O Avô Joe e Charlie demoraram bastante tempo a explicar a toda a gente exatamente o que lhes tinha estado a acontecer o dia todo. E mesmo então recusaram-se todos a voltar para a fábrica no elevador.

'Preferia morrer na minha cama!', gritou a Avó Josephine.

'Também eu!', exclamou a Avó Georgina.

'Recuso-me a ir!', anunciou o Avô George. 

Então o Sr. Wonka e o Avô Joe e Charlie, sem ligarem aos gritos deles, simplesmente empurraram a cama para dentro do elevador. Empurraram o Sr. e a Sra. Bucket para dentro atrás dela. Depois entraram eles. O Sr. Wonka premiu um botão. As portas fecharam-se. A Avó Georgina gritou. E o elevador ergueu-se do chão e disparou através do buraco no telhado, para o céu aberto.

Charlie subiu para a cama e tentou acalmar os três idosos que ainda estavam paralisados com medo. 'Por favor, não estejam assustados', disse ele. 'É totalmente seguro. E vamos para o sítio mais maravilhoso do mundo!'

'O Charlie tem razão', disse o Avô Joe.

'Haverá algo para comer quando chegarmos lá?', perguntou a Avó Josephine. 'Estou esfomeada! A família inteira está esfomeada!'

'Algo para comer?', exclamou Charlie, rindo. 'Oh, espere para ver!'